Problemas ambientais urbanos são antigos e, em sua faceta moderna, estão presentes ao menos desde as primeiras revoluções industriais — ainda que não recebessem a alcunha “ambiental” no significado de hoje. Eles fazem parte, intrinsecamente, do imaginário da emergência das grandes cidades modernas europeias: fumaças das indústrias, rios poluídos, a falta de saneamento e as ruas entulhadas de lixo.
A eclosão de movimentos ambientalistas a partir da década de 1960, num primeiro momento, ainda parecia vir da terra “natural” — a questão dos pesticidas, por exemplo — e de uma ideia unificada do planeta, sob o medo da guerra nuclear. A razão talvez seja as próprias origens de um pensamento ambientalista: algo “romântico” ainda no século XIX, de valorização do natural em oposição ao urbano; e algo também “científico”, focado na conservação de florestas e proteção de parques naturais. De toda forma, apesar dessas origens, o fato é que os movimentos que se seguiram ao ambientalismo dos anos 1960 incluíram, nas décadas seguintes, as questões urbanas e a justiça social no seio do movimento. O ambientalismo migrava de um campo puramente “natural” e “científico” para abarcar também a arena política das grandes cidades.
A pauta ambiental urbana permeia, há décadas, o ambientalismo, as conferências internacionais e o próprio jornalismo. No entanto, ainda hoje é comum que as pessoas façam uma associação direta entre “temas ambientais” e “temas rurais”, como se distantes da cidade. Uma pequena análise da editoria de Meio Ambiente do portal G1 mostra que, das últimas 30 notícias (ao longo de todo o mês de outubro) nenhuma trouxe uma pauta ambiental urbana. A página é tomada por algumas notícias da maior importância: incêndios no pantanal, seca na Amazônia, garimpo ilegal, marco temporal, emissão de gás metano pela agropecuária etc. Outras são notícias mais soft, dificilmente enquadráveis como “jornalismo ambiental”, e sim como “notícias sobre (ou no) meio ambiente”: o prêmio de fotografia pela foto de um tigre; o resgate de uma loba-guará e a caça de um tatu-galinha pelo caseiro de uma fazenda.
A situação muda um pouco quando analisamos a Folha de SP. Lá a gente “lembra” que cidades também são afetadas, como na invasão de fumaça de incêndios florestais sobre a maior cidade boliviana; e na descoberta, por pescadores, de uma garrafa PET de 25 anos atrás em plena Baía de Guanabara. Obviamente, situações extremas como as inundações em cidades no Sul do país também costumam entrar na conta de notícias — mas persiste a escassez de matérias não impulsionadas por tragédias. A realidade urge que o jornalismo dito “ambiental” cruze, com mais frequência, as vielas e ladeiras das grandes cidades brasileiras, mostrando a face ambiental e cotidiana de nossos históricos — e desiguais — problemas urbanos.
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Michel Misse Filho é jornalista, doutorando em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e do Laboratório de Estudos Sociais dos Resíduos (Residualab – UERJ). E-mail: michelmisse93@gmail.com.
Reportagem publicada originalmente em Observatório Ambiental.