Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Começou!

Certo como a noite que se segue ao dia, começou a malhação.

O Judas da hora em São Paulo é aquilo que se supõe seja a defesa dos direitos humanos.

A contribuição das autoridades paulistas para o fomento desse clima de linchamento moral não pode ser subestimada.

Não se sabe o que é mais patético: o senso de desorientação exibido pelo governador paulista Cláudio ‘Nada deu errado’ Lembo desde que o PCC, para ostentar seu poderio, deflagrou a guerra ao Estado, ou a assombrosa tentativa do delegado Godofredo Bittencourt, diretor do Departamento de Investigações Sobre o Crime Organizado, de tapar o sol com a peneira.

Ontem, quando os ataques do PCC às forças de segurança já beiravam a marca de 150, de um total da ordem de 270, com 28 policiais militares e civis mortos, o doutor disse que “o crime organizado está tentando mostrar a sua força”.

Imaginem quando mostrar de verdade.

Apenas previsível portanto o clamor por mais “dureza” e menos “frouxidão” na repressão ao banditismo.

O que impediria o endurecimento é a visão lírica, bem intencionada e contraproducente dos humanistas. É o que se lê e o que se ouve.

Como se políticas de segurança duras e burras resolvessem alguma coisa. E são poucos, esparsos e desconexos os sinais de vida inteligente no aparato de segurança em todo o país.

O endurecimento pelo endurecimento, do gênero atirar primeiro, perguntar depois, decerto fará muitas baixas nos cardumes de sardinhas da bandidagem – e os civis presumivelmente inocentes de praxe. Mas deixará praticamente intacta não só a cúpula do crime-empresa, como e em especial a sua “sofisticada organização”, para tomar de empréstimo o termo consagrado pelo procurador-geral da República em outro contexto.

“Em 12 horas, polícia mata 13 suspeitos nas ruas”, informa o Estado de hoje.

Palavras de um PM ao jornal: “Vamos virar o jogo. Aqui um foi para o inferno. Mas vamos matar mais de 20. De menos um em menos um, essa onda de ataque chega ao fim.”

Os policiais “têm sangue nos olhos”, na apta descrição do repórter Alvaro Magalhães, mas não têm idéia do que está acontecendo.

E o que está acontecendo continuará a acontecer com “a Rota na rua” de que falava Paulo Maluf e com a legalidade no lixo.

O crime compensa quando é eficiente, estruturado e em dia com os recursos tecnológicos que agregam riqueza e poder aos que os dominam. E quando os criminosos-empresários fazem uso de uma arma que o Estado de direito não pode – nem deve – ter: a ausência completa de limites no emprego da força para se impor aos rivais, às populações e aos serviços de segurança.

Se o Estado agir do mesmo modo, a diferença será enorme – mais para nós outros, que teremos novos motivos para gritar “chamem o ladrão” – do que para eles.

O nervo do problema é este: o crime-empresa é mais competente do que o poder público que tenta combatê-lo.

Tem dinheiro a rodo – e sabe o que fazer com ele.

O Estado não tem dinheiro a rodo e muitas vezes não sabe o que fazer com o pouco que tem. Move-se por processos penais anacrônicos e por infindáveis guerrilhas burocráticas. Sem falar que bandidos corrompem policiais, agentes penitenciários, advogados, administradores judiciais, juízes, políticos, o escambau. A recíproca não é verdadeira.

A repressão dura e burra faz um estrago danado na periferia do crime e nem por isso atinge a sua espinha dorsal. O crime cresceu extravagantemente no Brasil nas últimas décadas não por excesso de leniência, mas por escassez de inteligência dos que lhe devem mover guerra.

O resto, como pôr a culpa no respeito aos direitos humanos, é pior do que o silêncio. É brincar de me-engana-que-eu-gosto.

P.S.

Da série ‘Números são como baionetas. Pode-se fazer tudo com eles, menos sentar em cima:

O Estadão diz que a população prisional paulista é de 138.116 pessoas (120.601 no sistema penitenciário e 17.515 nas cadeias da Secretaria de Segurança). Diz também, em outra matéria, que o PCC ‘conta pelo menos com 130 mil homens’ nas prisões. Se assim é, 9 em cada 10 presos são filiados ao que a imprensa chama Partido do Crime. E se assim é, não tem sentido se referir ao PCC como ‘facção’.

Enquanto isso, numa entrevista à Folha, o sociólogo Cláudio Beato, coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade de Segurança da Universidade Federal de Minas Gerais, falando do ‘gigantismo do sistema prisional de São Paulo’, diz que este tem ’40 mil pessoas’. Ou a Folha comeu o algarismo 1 na transcrição da entrevista, ou o sociólogo não sabe o que é gigantismo.

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