O Estado de hoje, em matéria de Carlos Marchi, antecipa a informação documentada no livro do jornalista Paulo Markun Meu querido Vlado, a ser lançado em 9 de novembro, de que o atual senador Romeu Tuma (PFL-SP) participou da caça às bruxas no Departamento de Jornalismo da TV Cultura, que resultou na morte, sob tortura, do seu diretor Vladimir Herzog, há 30 anos.
Pesquisando no Arquivo do Estado, Markun encontrou a ata de uma reunião de arapongas, em 10 de setembro de 1975, em São Paulo, 45 dias antes, portanto, do assassínio do Vlado.
O delegado Romeu Tuma, à época, chefiava o Serviço de Informações do Departamento de Ordem Política, Econômica e Social (Deops) paulista.
Na reunião, ele disse, conforme o documento:
“O canal 2, através [sic] de seu departamento de jornalismo, está fazendo uma campanha sistemática contra as instituições democráticas [sic] e esse fato foi notado após ter assumido a direção daquele departamento o jornalista Wladimir [sic] Herzog, elemento sabidamente comprometido [sic].”
Não há uma mísera nesga de verdade nessa infâmia. O chefe do
Serviço de Informações do Deops ou era um desinformado e um desinformador, ou era um caluniador.
Hoje ele diz que fez o que lhe competia – repassar informações que identificassem focos de subversão ao regime –, que há uma “distância oceânica” entre a sua denúncia e a morte de Herzog e que foi ele quem preservou o documentação do Deops, entregando-a ao governo paulista.
Se ele fazia o que lhe competia, deveria ser punido retroativamente por ter feito menos que devia: na sua função, não poderia se limitar a “repassar informações” antes de confirmá-las.
”Distância oceânica” é uma expressão elegante, mas inadequada, para dizer o mínimo. Se as difamações contra Vlado e sua equipe, partindo de figuras abjetas como Fausto Rocha, Claudio Marques (jornalistas) e Wadi Helou (deputado estadual), não tivessem sido endossadas pela arapongagem – e isso depois que o SNI não achou motivos para vetar a contratação do Vlado para a TV Cultura! –, quem sabe ele não estaria vivo hoje.
Uma questão “paroquial”
E o que para o elemento Tuma era “uma campanha sistemática contra as instituições democráticas”, presumivelmente conduzida por um “elemento sabidamente comprometido”, o Palácio do Planalto parecia considerar pouco mais do que uma picuinha.
Pelo menos foi a impressão que me passaram o então assessor de imprensa do presidente Geisel, Humberto Barreto, e o coronel Vilberto Lima, da Casa Militar da Presidência.
Editor-chefe do Jornalismo da TV Cultura, segundo de Vlado, portanto [Markun, chefe de reportagem, era o terceiro], fui a Brasília no começo daquele fatídico outubro para denunciar a campanha terrorista de que éramos alvo e tentar descobrir se ela tinha origem federal.
O episódio está contado na página 223 da sexta edição do Dossiê Herzog – Prisão, Tortura e Morte no Brasil, de Fernando Pacheco Jordão, que será lançada na quarta-feira que vem, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. [Tudo que vale a pena saber sobre a tragédia está lá.]
“Barreto”, lê-se no livro, ““minimizou os acontecimentos que lhe foram expostos e chegou a empregar o adjetivo “paroquial” para definir a origem dos ataques””. E o coronel Vilberto ““repetiu o que Barreto tinha dito: para ele, não havia conspiração alguma [na TV Cultura] e o que sucedia era um problema de âmbito exclusivamente local, “dessas situações que temos de enfrentar na vida””.
Em favor de Romeu Tuma, duas coisas, para terminar.
Primeira: em condições de subtrair dos arquivos policiais documentos que pudessem comprometê-lo, ao que se saiba não o fez, entregando a papelada intacta ao governo paulista, como ressaltou na matéria do Estado.
Segunda: ele nunca apregoou isso, porém mais de um perseguido político da ditadura lhe deve não ter passado pelo que passaram Vlado e tantos outros nos inesquecíveis porões da repressão.
P.S.
A reportagem do Estado traz um box que, além do título pomposo e despropositado “Vlado, uma vida inteira enfrentando totalitarismos”, contém um erro surpreendente. Não faço idéia de onde saiu a informação de que “Vlado chegou ao Brasil em 1955, com 18 anos”. Ele chegou ao Brasil em 1946, com 8 anos.
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