Cobrir a crise no trânsito numa cidade como São Paulo não pode se limitar apenas ao registro da irritação dos motoristas ou à publicação de estatísticas apocalípticas sobre os quilômetros de carros parados na rua, diariamente, na hora do rush.
Toda a vida da cidade acabou entrando na agenda dos debates durante as seis apresentações feita por especialistas em trânsito, transportes e planejamento urbano no workshop promovido pelo Programa Projor/Fiat de Atualização Jornalística, em São Paulo, entre os dias 10 e 12 de agosto [ver remissão abaixo].
A preocupação multidisciplinar e a ênfase na interatividade entre jornalistas e especialistas marcaram os dois dias de brainstorm, iniciados quando Alberto Dines, fundador do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) abriu o evento com a palestra ‘A cidade é o mundo’. Dines mostrou como as cidades contemporâneas se transformaram em microcosmos do mundo em que vivemos e como a busca de soluções para os problemas só pode ser feita dentro desta perspectiva.
O arquiteto Jaime Lerner indicou, por exemplo, como a questão do trânsito numa cidade como São Paulo está intimamente ligada ao planejamento urbano. Segundo ele, é impossível pensar em saídas para os megacongestionamentos na cidade sem pensar, simultaneamente, na redução dos espaços que separam a moradia dos locais de trabalho da esmagadora maioria da população paulistana.
Lerner acredita que a criação de corredores para ônibus biarticulados ao longo dos principais eixos de crescimento de uma cidade é a solução mais barata para reduzir o volume de carros particulares no centro urbano e aumentar a velocidade de deslocamento dos usuários do sistema de transportes públicos.
Por sua vez, o consultor Alexandre Oliveira, especialista em logística de transportes urbanos, garantiu que todas as tentativas de aumentar a velocidade média de 14 quilômetros por hora no trânsito de São Paulo esbarram na verdadeira muralha de caminhões que são obrigados a passar por dentro da cidade ao transportar cargas entre um ponto e outro do estado.
O tráfego interurbano acaba se misturando com o urbano, criando um nó muito difícil de desatar, especialmente quando ocorre algum complicador adicional, como chuva forte ou choque entre veículos.
As apresentações mostraram como a maioria das notícias sobre trânsito e transportes urbanos publicadas pela imprensa é o resultado de uma investigação multidisciplinar.
Contextualização parece ser a palavra-chave na reflexão sobre as rotinas e estratégias de cobertura da imprensa sobre as questões de trânsito e transportes públicos numa megalópolis como São Paulo. O detalhamento de itens como causas e conseqüências, interessados diretos, quem ganha e quem perde, é essencial para que o público possa entender como e por que a sua vida está sendo alterada pelos congestionamentos endêmicos na cidade.
Linha de montagem da notícia
Na troca de idéias e experiências entre repórteres e especialistas ficou claro que contextualizar uma informação sobre trânsito gera um trabalho adicional para o jornalista, porque ele tem que pesquisar dados e consultar especialistas que conhecem o emaranhado de conexões multidisciplinares de um problema.
É aí que o enxugamento das redações passa a ter conseqüências práticas imediatas. Os profissionais trabalham com pautas sobrecarregadas que transformam a apuração numa atividade quase mecânica, uma verdadeira linha de montagem de notícias.
O próprio workshop sobre trânsito e transportes públicos sofreu as conseqüências do fato de as redações da maioria dos veículos de comunicação estarem trabalhando ‘no osso’. Vários jornais, sites de notícias na web, agências de notícias, revistas e emissoras de rádio e TV deixaram de mandar profissionais porque não podiam tirar ninguém do dia-a-dia da cobertura local, apesar de reconhecerem a urgente necessidade de aprofundar o debate sobre o caos no trânsito de São Paulo.
Os que participaram da maratona de troca de idéias e experiências saíram do evento com uma coleção de novas fontes de informação – e com pautas de reportagens –, como as idéias do arquiteto Jaime Lerner para a revitalização de pontos degradados do centro de São Paulo, numa proposta que ele rotulou de ‘acupuntura urbanística’, e que valeu matérias no Jornal da Tarde e na TV Globo.
O economista Roberto Guena de Oliveira mostrou para os jornalistas os resultados da implantação do chamado imposto de congestionamento em Londres, destacando como a opinião pública da capital britânica passou a apoiar o projeto, depois de uma forte resistência inicial.
O caso londrino foi trazido à discussão para mostrar como a imprensa pode ter um papel decisivo na mudança de percepções do público – e como o trânsito urbano é um problema em que as soluções dependem basicamente da iniciativa governamental, já que, segundo Guena de Oliveira, ‘esta é uma área onde a mão invisível do mercado não pode funcionar’.
Já o especialista em engenharia ambiental Francisco Maciel surpreendeu os participantes do workshop ao explicar como o automóvel é uma das máquinas mais ineficientes já desenvolvidas pelo homem. Nada menos que 80% da energia produzida pelo motor de um carro é perdida na forma de calor dissipado no radiador ou na descarga. Dos 20% que sobram, 95% da energia é usada, única e exclusivamente, para movimentar o peso do veículo. Resultado: apenas 1% da energia produzida pela queima da gasolina é efetivamente usada para transportar o motorista e demais ocupantes de um automóvel comum.
O Projor e a Fiat começaram a analisar os resultados do workshop sobre o trânsito em São Paulo para desenvolver um formato capaz de ser reproduzido noutras capitais brasileiras, com temática localizada mas dentro da mesma preocupação: abrir espaços para uma reflexão dos profissionais encarregados da cobertura de cidades.
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Jornalista, editor do blog Código Aberto, deste OI, e coordenador do workshop sobre Trânsito e Transportes Públicos Urbanos em São Paulo