Tirem as crianças da sala
Avisem os adolescentes que sonham, os vestibulandos que se iludem com o brilhareco da carreira e os estudantes que ainda acham importante entender a semiótica: para chegar lá, para manipular o microfone, surgir gloriosamente nas telas da televisão ou para ver seu nome estampado em páginas de jornais e revistas, será preciso ter estômago de avestruz e convencer a si mesmo de que é a pauta que inventa o mundo.
Essa é uma das lições que se pode extrair da cobertura que se segue ao desastre futebolístico do Mineirão.
O noticiário e o opiniário agasalhados pelos jornais desta quinta-feira (10/7) nos apresentam o padrão que deverá balizar o jornalismo brasileiro após a vexaminosa derrota da seleção nacional para a equipe da Alemanha.
Baixada a poeira da decepção, quando as redes sociais extravasam em ironias e anedotas a capacidade dos brasileiros de superar a tristeza com bom humor, eis que a imprensa resolve abrir sua caixa de maldades.
Não, os textos não condenam liminarmente os principais responsáveis pelo fiasco dentro de campo: os jornais tratam de transferir o peso da derrota para Brasília.
Editoriais e artigos, diretamente, tentam fazer a conexão entre o fracasso da equipe de Luiz Felipe Scolari e a disputa eleitoral, buscando uma relação entre política e futebol que de alguma maneira vincule o governo federal ao frustrado projeto do hexacampeonato.
A referência mais explícita está na manchete do Estado de S. Paulo: "Dilma tenta se descolar do fracasso da seleção", diz o título no alto da primeira página.
A frase afirma que há um vínculo a priori entre o futebol e o campo da política.
Ora, se existe esse vínculo, convém que a imprensa esclareça ao público em que grupo político se alinham o presidente da CBF, José Maria Marin, seu sucessor Marco Polo Del Nero, o coordenador técnico da seleção Carlos Alberto Parreira e o técnico Scolari.
Discursos de campanha, frases de efeito e oportunismo caracterizam todas as disputas eleitorais.
O problema é o que a imprensa faz com tais manifestações.
No caso, claramente, os jornais resguardam os outros candidatos e expõem junto à foto da vergonhosa derrota no futebol a imagem da presidente da República.
Jornalismo obsceno
Ainda que saibamos, todos, que a imprensa adora chutar cachorro morto, pode-se observar certa complacência com relação à entrevista em que Parreira e Scolari defenderam seu projeto fracassado.
Ainda que aqui e ali alguns comentaristas mais críticos afirmem a obviedade de que ambos são responsáveis pelo resultado vergonhoso do projeto, os textos principais da imprensa e os comentários das emissoras mais empenhadas na cobertura da Copa evitam contrariar a avaliação da dupla de que tudo foi planejado com perfeição.
Ora, diante do resultado e com a possibilidade de analisar friamente os seis minutos de pânico e desorganização que permitiram à seleção da Alemanha impor uma goleada irreversível à equipe nacional, o mínimo que se poderia esperar da imprensa era que fizesse o mea culpa e admitisse que havia sido complacente demais com os dois coordenadores da CBF.
Uma mensagem lançada nas redes sociais pelo empresário do jogador Neymar Jr. desmoraliza em poucas linhas o trajeto recente de Luiz Felipe Scolari – que em nada autorizava o entusiasmo com que a imprensa apoiou seu trabalho até o dia do desastre.
Como sabemos todos que a carreira de Scolari e Parreira se encerra por aqui, com o selo do vexame fechando os envelopes de seus currículos, é apenas questão de dias para que os jornais finalmente façam a radiografia de seus erros.
A data mais provável é o próximo domingo, principalmente se a seleção brasileira não conseguir vencer no sábado a desmotivada Holanda, cujo técnico já declarou que preferia voltar para casa do que disputar o terceiro lugar.
Mas antes de fazer o rescaldo completo do fracasso dentro das quatro linhas, a imprensa hegemônica trata de transferir o saldo negativo para o campo político.
Trata-se apenas de uma amostra do que vem por aí a partir da semana que vem, quando as atenções estiverem voltadas para a disputa eleitoral.
Tirem as crianças da sala.
O jornalismo brasileiro está se aproximando perigosamente da obscenidade.