Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crise ambiental: não há mais neutralidade jornalística possível

O jornalismo não pode mais ser imparcial na cobertura da crise ambiental. A sucessão de eventos climáticos extremos que estamos assistindo no mundo inteiro está tornando irrelevantes os posicionamentos a favor ou contra. É uma crise que afeta a todos e que nos obriga a decidir sobre nosso futuro. 

Como as decisões são baseadas em dados, fatos e eventos e como é função do jornalismo fornecer estes elementos para as pessoas agirem, fica evidente a responsabilidade de quem produz notícias na definição dos rumos a serem seguidos pelos países e comunidades nas quais vivemos.

Uma pesquisa da empresa Google mostrou que a busca de informações sobre tragédias ambientais aumentou 73 vezes, desde 2018, somente no segmento do público que fala português. No resto do mundo, a procura por dados e fatos relacionados ao clima cresceu entre 8 e 35 vezes mostrando que há uma ansiedade planetária motivada pelas incertezas sobre o que o futuro nos reserva.

Uma das maiores empresas de consultoria do mundo, a Deloitte, calculou que se os índices de emissão de gás carbônico, causador do aquecimento da terra, forem mantidos até 2070, os prejuízos totais para a humanidade chegarão a astronômicos 178 trilhões de dólares (cerca de R$ 890 trilhões) . É o mesmo que jogar no lixo bens equivalentes à soma do PIB de todas as nações do mundo, durante dois anos. 

Estas cifras assustadoras ainda são estimativas de algo que pode vir a acontecer, mas 11 milhões de latino-americanos já estão sem casa, sem emprego e dependendo de ajuda governamental por causa de enchentes, desmoronamentos, incêndios florestais, secas catastróficas como a do Amazonas e ondas de calor extremo. Nada menos que 20 cartões postais mundialmente conhecidos como o Lago Titicaca, nos Andes, o Pantanal e o rio Amazonas estão sendo desfigurados pelo lento deterioro de ecossistemas outrora resilientes.

Sofrimento desigual

Os números são impactantes, mas eles são apenas uma parte dos problemas colocados diante do jornalismo contemporâneo. O problema é bem mais fundo e afeta todas as estruturas sobre a quais se apoia a população global. Para frear o ritmo das tragédias ambientais será preciso rever a distribuição mundial de riquezas, uma mudança que deverá ser alimentada por informações que vão depender muitíssimo do exercício de um jornalismo comprometido com a nossa sobrevivência futura e depurado das influências de interesses e privilégios.

O jornal britânico The Guardian, afirmou em texto publicado no dia 23 de novembro que só os jatinhos privados de 200 super ricos europeus e norte-americanos poluíram a  atmosfera global em 2022 com emissões de gás carbônico equivalentes à quantidade produzida por 40 mil cidadãos ingleses. O mesmo The Guardian divulgou também  uma notícia na qual citava dados de um estudo mostrando que 1% da população mundial formada por 77 milhões de pessoas de alta renda, joga na atmosfera mais gases de aquecimento global do que 66% ( 5,2 bilhões ) de seres humanos mais pobres do planeta.

Aqui no Brasil, temos cidades como a catarinense Rio do Sul, que sofreu três enchentes este ano. No Rio Grande do Sul, moradores de cidades situadas às margens do rio Taquari já tiveram de reconstruir suas casas mais de uma vez somente em 2023. Muitos perderam tudo o que haviam recuperado em inundações anteriores. Isto mostra que as cidades precisam ser repensadas porque ninguém aguenta recomeçar várias vezes do zero. “Estamos enxugando gelo” disse o prefeito da cidade gaúcha de Muçum, após a quarta enchente do rio Taquari, somente este ano.

O comportamento clássico de observador isento da tragédia adotado pela imprensa mundial precisa ser substituído pelo engajamento na promoção de mudanças não apenas ecológicas, mas essencialmente econômicas, políticas e sociais. Já está mais do que claro que a desigualdade econômica está intimamente associada à degradação ambiental no planeta. 

Os governos têm se mostrado extraordinariamente lentos e resistentes a assumir mudanças como a reforma urbana para evitar a superpopulação e os riscos das construções em encostas íngremes, por exemplo. O custo de situações como estas encontra-se à vista de todos. Cabe à imprensa e ao jornalismo identificarem como a população percebe estes problemas e junto com ela propor soluções que na maioria dos casos estarão baseadas mais na ação comunitária do que no apoio estatal.

Falar como humanos

Agora no início de dezembro teremos mais uma cúpula mundial sobre o clima, a COP 28, em Dubai, no Oriente Médio. Tudo indica que mais uma vez ouviremos pronunciamentos grandiloquentes de chefes de governo e especialistas ecológicos, em meio a denúncias assustadoras de organizações não governamentais e de relatórios sombrios preparados pelas Nações Unidos. Mas já começam a surgir iniciativas no sentido de mudar a narrativa jornalística sobre a crise ambiental. 

O recurso tradicional de assustar o público com dados e situações alarmantes está sendo gradualmente substituído em redes de TV como a inglesa BBC ou jornais como o francês Le Monde pela preocupação em induzir o público e as audiências a participarem do combate ao aquecimento global. Nos Estados Unidos surgiu a Potential Energy Coalition, integrada pelo jornal The Washington Post e pelas revistas New Yorker e Harvard cuja proposta fundamental é levar as pessoas a pressionarem a imprensa para ampliar o apoio popular à questão climática. 

Potential Energy Coalition produziu o manual  Talk Like a Human , com o objetivo de ajudar o jornalismo e a imprensa a mudarem a cobertura dos eventos climáticos extremos focando em dois eixos principais:

  1. Participação direta das pessoas no combate às causas do desequilíbrio ecológico, através de ações como redução do uso de combustíveis fosseis e;
  2. Aumento da pressão popular sobre os governos para reduzir a desigualdade socioeconômica e promover reformas tanto na produção agrícola como nas cidades visando reduzir excessos no uso de recursos naturais

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.