“Sextou! Véspera de feriadão e a gente está por aqui. Estamos na praia ou não estamos, Jacqueline Brazil? Faz de conta que estamos na praia nesta véspera de feriadão”, disse o jornalista Alan Severiano a sua colega de bancada. “Esse céu azul… Vai ser mais um dia quente no litoral e aqui na capital, onde as temperaturas vão ficar maiores que ontem. Previsão para hoje? 36 graus. Tá bom para você, Alan?”, respondeu Jacqueline.
Esse foi o diálogo de abertura da edição de sexta-feira (17) do telejornal SP1, emissora paulista afiliada à Rede Globo, protagonizado pelos jornalistas enquanto entravam ao vivo no estúdio sentados em cadeiras de praia e usando óculos escuros. A cena criada em tom descontraído trazia a previsão da onda de calor que assolou diversos estados do Sudeste e Centro-Oeste na última semana – se tornando um grande exemplo do que não se deve fazer no jornalismo quando os riscos climáticos são a pauta.
A informação foi trazida com humor, fazendo referência à praia – algo culturalmente associado às férias e momentos de lazer. Contudo, as temperaturas próximas dos 40 graus, e com sensação térmica atingindo os 60 graus, acarretaram uma busca por atendimento médico. Só no Rio de Janeiro, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), as unidades de emergência e urgência atenderam uma pessoa a cada duas horas com sintomas causados pelo calor extremo durante todo o fim de semana na cidade. Foram casos envolvendo insolação, queimaduras de segundo grau devido ao uso de bronzeadores ou relacionados à combinação de doenças crônicas com o calor.
Uma cobertura jornalística “mais leve” diante de eventos climáticos extremos não apenas flerta com o negacionismo climático como presta um desserviço à saúde pública na medida em que, ao representar as altas de temperatura de forma positiva, faz com que os cidadãos não se sintam ameaçados ou não percebam o quanto podem ser impactados com os riscos iminentes das mudanças do clima. As notícias sobre as marcas históricas de calor no Brasil têm sido ilustradas, de modo geral, por fotos de pessoas à beira-mar ou em piscinas, como observamos nas matérias publicadas pela Folha de S.Paulo “Rio bate novo recorde de calor do ano com 42,5°C neste sábado (18)”, pelo Estadão “Sensação térmica chega a 52ºC às 8h da manhã em bairro da zona oeste do Rio” e pela GZH “São Paulo registra dia mais quente do ano e Rio tem sensação térmica de 50°C”. Tais escolhas podem gerar representações e percepções de que há, enfim, algo positivo para o brasileiro na crise climática: a possibilidade de desfrutar mais dias como aqueles vividos em uma época específica, onde geralmente não é preciso trabalhar e na qual o descanso é possível.
O fato é que, para a maioria da população, refrescar-se na praia ou na piscina nem sempre é uma opção. Na rotina do dia a dia, exercer as atividades de estudo e trabalho sob altas temperaturas impacta diretamente na concentração, disposição e, consequentemente, no desempenho das atividades em razão do estresse térmico elevado. Além dos prejuízos à saúde já citados (que podem, em situações extremas, causar mortes), as altas temperaturas podem afetar de forma significativa o setor agrícola, gerando perda de alimentos e aumento dos preços. O calor extremo também está relacionado à maior ocorrência de incêndios, o que resulta em sobreposição de riscos.
Um estudo realizado pelos pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que quase todos os brasileiros percebem as mudanças climáticas e acreditam que as ações humanas são responsáveis por elas, porém nem todos entendem a gravidade da crise climática. Segundo o levantamento, 94% das pessoas sabem que estamos passando por uma mudança climática e 91% entendem que o fenômeno é causado principalmente pela atividade humana. No entanto, apenas 56% acreditam que o cenário seja grave.
A comunicação visual da emergência climática é um dos grandes desafios que precisam ser encarados pelo jornalismo. Estudos empíricos já demonstraram que imagens ligadas às catástrofes podem ocasionar paralisia ou apatia por parte dos públicos, não os encorajando a se envolver no enfrentamento do problema. Focar em representações trágicas pode gerar um alerta imediato, mas, a depender de sua frequência e do conjunto de informações que são apresentadas, pode contribuir com a naturalização do caos.
Por outro lado, discursos otimistas, sobretudo associados ao desenvolvimento da ciência, como a geoengenharia, tendem a reforçar a ideia de que haverá alguma saída no futuro próximo e, portanto, não precisamos nos preocupar ou mudar nosso estilo de vida agora. Aproveitar a onda de calor para curtir uma praia segue nessa lógica: enfatiza um possível “benefício”, de curto prazo e destinado a uma minoria, enquanto minimiza as reais consequências negativas, que afetam a maioria, especialmente as populações mais vulnerabilizadas, e ignoram o efeito cascata, de médio e longo prazos.
Embora não existam fórmulas sobre como ilustrar a crise climática de modo a sensibilizar as pessoas de sua urgência e gravidade, há de se ter cuidado com a banalização dos riscos que permeiam a questão. Não há como noticiar a previsão de ondas de calor de forma descontraída, sem destacar os perigos da situação e formas de preveni-los ou minimizá-los. Essa escolha imprudente, de retratar uma notícia séria com leveza, está mais preocupada em atrair audiência do que com o interesse público. Não há como reduzir a solução das temperaturas extremas a um mergulho. Repensar as imagens que ilustram a cobertura climática é responsabilidade de todos aqueles que se comprometem com a acurácia da informação.
Reportagem publicada originalmente em Observatório do Jornalismo Ambiental.
***
Clara Aguiar é estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: claraaguiar14@hotmail.com.
Eloisa Beling Loose é jornalista e pesquisadora na área de Comunicação de Riscos e Desastres. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: eloisa.beling@gmail.com.