As revistas e cadernos femininos dos jornais estão deixando passar uma das melhores pautas do momento: as lágrimas das CPIs. E o uso que os homens estão fazendo dessa que, até agora, era considerada uma prerrogativa feminina: chorar com o objetivo de sensibilizar o opositor. As revistas femininas, que falam em nome das mulheres, têm aí uma chance única de discutir preconceito, emoção e o comportamento da nova mulher que, em matéria de lágrimas, anda muito mais contida que os homens.
Nunca se viu tanto homem chorando em público como nos últimos tempos. Choram de indignação ao declarar suas inocência, choram porque são éticos, choram porque foram pobres na infância. E, como são homens, seu choro é tratado com discrição pela imprensa. Registra-se o choro, mas fala-se mesmo é do que interessa: o que eles têm a dizer. E não é pouco.
É só lembrar do depoimento do marqueteiro Duda Mendonça, na semana passada. Bastou ele tentar chorar (porque lágrima mesmo não chegou a correr) para que os deputados e senadores se desmanchassem em elogios à performance dele.
E a imprensa, que parece ter perdido a capacidade de fazer matérias mais densas – daquelas em que um repórter ficava na cena atento aos detalhes e tiques dos personagens –, não se dá conta da importância de analisar o comportamento dos homens públicos que choram para provar inocência, ou das mulheres que usam as lágrimas como arma para escapar de perguntas mais diretas.
Pedido de desculpas
As lágrimas das CPIs, quando exploradas pela imprensa, ficaram muito aquém do que poderiam render. Uma das raras matérias sobre o tema saiu na IstoÉ:
‘A crise política está provocando muito mais que discussões e troca de acusações entre políticos. Tem causado também muito choro. Nos últimos dias, o País assistiu a alguns dos envolvidos nas denúncias desabarem em lágrimas em situações nas quais estavam expostos à opinião pública. A lista dos chorões incluiu o presidente do PT, José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, o publicitário mineiro Marcos Valério e o deputado Carlos Rodrigues (PL/RJ). Cada um mostrou seu pranto em momentos e por motivos diferentes. ‘O choro é uma resposta a um tipo de situação, de tristeza ou de alegria, que pode ser ou não controlada pela pessoa’, explica o neurologista Ivam Hideyokamoto, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)’ (Isto É,13/7/2005).
Como toda notícia desses tempos de crise, logo a matéria foi superada pelos fatos. Nos dias que se seguiram, a lista aumentou com o choro convulsivo de Renilda Santiago e as lágrimas de Duda Mendonça, que parecia estar com alguma dificuldade em fazer correr uma gota que fosse dos olhos. Apertava os olhos, franzia o rosto, mas o mais que conseguia era ficar com os olhos vermelhos. Lágrima que é bom, nada.
Mas foi suficiente para os deputados e senadores, comovidos, ou talvez constrangidos, cobrissem Duda Mendonça de elogios por seu depoimento ‘sincero’.
Que os parlamentares elogiem, tudo bem – afinal, eles são políticos e nunca sabem quando vão precisar dos serviços do marqueteiro. Mas a imprensa tinha a obrigação de questionar as lágrimas e a ‘sinceridade’ do homem que soube mudar a imagem do presidente Lula. Duda Mendonça, com suas quase-lágrimas, conseguiu ser tratado com o maior respeito, embora avisado insistentemente do crime de evasão de divisas.
Mas em matéria de lágrimas, as de Renilda Santiago foram mais eficientes, pois ela conseguiu não apenas interromper o depoimento por 20 minutos como também terminar a sessão muito antes do que gostariam os interrogadores. Renilda provou que, em matéria de choro, as lágrimas femininas ainda fazem mais efeito. Conseguiu até que um dos parlamentares pedisse desculpas ao marido dela, dias depois, pelo ‘tratamento dado a sua esposa por alguns parlamentares’.
‘Sal do corpo’
Com lágrimas estudadas e sua falsa fragilidade, Renilda é um fenômeno que merece ser estudado pelas revistas femininas. Ela consegui, segundo o Ibope, manter 352 mil pessoas ligadas no seu depoimento. E mereceu página inteira (Estado de S.Paulo, 11/8), para falar do marido, da CPI, e até para dar conselhos ao presidente Lula. Na entrevista revelou-se, ao contrário da imagem vendida na CPI, uma mulher informada, segura e capaz de frases bem mais contundentes do que os ‘não sei’ de que abusou em seu depoimento:
‘O meu marido tem o erro dele. Mas o País tem que saber que ele não errou sozinho. A pedido deles, fez empréstimos para o caixa 2 de políticos. Não pode ter sido pagamento de mensalão, porque não há regularidade nos saques. O sujeito foi lá, ganhou 50 mil, e nunca mais ganhou. Ele teria que estar na lista recebendo mensalmente uma mesada. Se olhar a lista das votações importantes com cuidado, acho também que isso não vai ter lógica. É tudo caixa 2’.
E conclui fazendo uma previsão:
‘O Lula tem poder e nome para articular uma maneira de apurar a verdade. Isso vai ser bom para a biografia dele. Do jeito que está essa CPI não vai dar em nada. Só as cópias dos meus cheques microfilmados no BankBoston foram 4 mil páginas. Você acha que eles vão analisar tudo nesse ritmo e nessa confusão?’
Durante a entrevista, a ‘mulher do lar’ não derramou uma lágrima. Nem mesmo quando a repórter mencionou as denúncias de que o marido dela pagava festas organizadas por uma cafetina de Brasília. Com a maior tranqüilidade, Renilda respondeu:
‘Não acredito que ele tenha feito isso. Não é do seu comportamento. Ele não tem essa personalidade. Por mais que tenha se envolvido com pessoas que não são de nível, ele jamais faria isso’.
As lágrimas da manipuladora Renilda, do ‘sincero’ Duda Mendonça, do ético presidente Lula e do injustiçado professor Delúbio merecem uma análise mais séria da imprensa. Mesmo porque, dizer que são lágrimas de crocodilo é uma injustiça com os répteis. De acordo com a explicação da Suzana Herculano-Douzel, do Departamento de Anatomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
‘…em outros animais, as lágrimas têm a função de descontaminação. As de bichos que vivem em água salgada – como focas e crocodilos – ajudam a eliminar o excesso de sal do corpo. Daí vem a expressão ‘chorar lágrimas de crocodilo’, isto é, choramingar sem um pingo de emoção verdadeira. Alguns artistas são craques nisso’.