Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Confusão de Maduro com a Guiana foi pelos 15 minutos de fama ou é assunto sério?

No final de novembro, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, 61 anos, tirou das manchetes dos jornais da América do Sul o novo presidente da Argentina, Javier Milei, 53, que se tornara notícia de destaque graças à exótica campanha que o elegeu, na qual empunhava uma motosserra, gritava palavrões, prometia dolarizar a economia e romper com os dois maiores parceiros comerciais do país, o Brasil e a China, entre outras coisas. Maduro virou notícia ao dizer que iria tomar na mão grande uma boa parte do território da Guiana, a região conhecida como Essequibo, uma área de 160 mil quilômetros quadrados rica em petróleo e minerais e onde vivem 125 mil dos 800 mil habitantes do país. Inicialmente, os noticiários diziam que se tratava de mais uma bravata de Maduro, que governa o país desde 2013. As notícias começaram a mudar de tom quando, no início de dezembro, ele realizou um plebiscito e os venezuelanos votaram pela anexação da área. Nos dias seguintes ao resultado das urnas foi publicado um novo mapa da Venezuela com a área anexada. E nomeado um governador e criados programas sociais para assistir os moradores de Essequibo.

Nos minutos seguintes ao presidente Maduro apresentar o novo mapa da Venezuela a imprensa começou a comparar o poderio militar dos dois países. As Forças Armadas venezuelanas têm 125 mil homens, navios de guerra, aviões de caça, tanques e artilharia. As Forças Armadas da Guiana têm 3 mil efetivos mal treinados e sem equipamentos. Um confronto entre os dois exércitos seria um passeio para as tropas da Venezuela. Mas, para dar esse passeio, precisariam passar pelo território brasileiro. O ministro da Defesa do Brasil, José Múcio, 75, disse que as tropas venezuelanas não passariam pelo território nacional e reforçou as unidades militares em Roraima, estado que faz fronteira com a Venezuela. A Força Aérea dos Estados Unidos mandou caças sobrevoarem a fronteira da Guiana com a Venezuela. Os americanos têm grandes investimentos na região. Nessa altura dos acontecimentos, essa história já virou notícia global, ao lado da guerra entre Israel e o Hamas, movimento fundamentalista que governa a Faixa de Gaza, na Palestina, e entre a Rússia e a Ucrânia. Todos os jornalistas ao redor do mundo sabem que se o presidente Maduro quiser fazer uma aventura, ele faz, por ser um ditador, que não depende da autorização de ninguém para começar uma guerra. Basta querer. Isso é um fato. E não é por outro motivo que o presidente da Guiana, Irfaan Ali, 43, tem pedido a ajuda das Nações Unidas (ONU) e dos governos dos Estados Unidos e do Brasil.

A área é reivindicada pela Venezuela há mais de 100 anos – há abundância de matérias disponíveis na internet. Por que agora a bronca? Na opinião dos adversários políticos, Maduro, que está no poder há 10 anos, resolveu reclamar a posse da área para mobilizar os seus eleitores, já mirando as eleições presidenciais que estão previstas para o próximo ano na Venezuela. Se foi essa a intenção dele, acabou exagerando na dose e tornou a história uma notícia globalizada. E agora, o que ele vai fazer com os seus 15 minutos de fama? Vamos saber na quinta-feira (14/12). O primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, país do Caribe, Ralph Gonsalves, articulou um encontro entre Maduro e Ali para discutir o caso. Os jornais deram como manchete que os dois presidentes concordaram com o encontro. Também foi convidado o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Chamo a atenção para uma questão nesse rolo que não está merecendo o devido destaque da imprensa. É o seguinte. Esse episódio começou sendo tratado como uma bravata de Maduro e hoje é noticiado como se fosse um fato real. Mas o que é real nessa história? Apenas movimentos publicitários do presidente da Venezuela, como a publicação de um novo mapa do seu país. Olha, entre fazer um mapa e de fato anexar a área vai uma enorme diferença. A história toda está parecendo mais uma peça publicitária do que uma operação militar. Realmente, o plebiscito, o mapa, a nomeação do governador e outras coisas anunciadas deram o carimbo de uma situação real que na verdade é apenas um blefe. Pergunto para os leitores e os colegas jornalistas, nós temos como escapar dessa situação, de publicar bravatas como se fosse verdade? Não, porque da forma como estruturamos o texto de uma notícia temos como regra abrir a informação pelo fato novo. E a contextualização fica por conta dos comentaristas políticos e econômicos. Não estou pregando que em cada notícia se anexe um histórico do fato. Mas podemos colocar uma palavra para alertar o leitor que a notícia pode ser uma bravata.

Por falar em bravata, no domingo (10/12) o presidente da Argentina, que se elegeu fazendo uma campanha mirabolante, voltou às manchetes dos jornais. Ele tomou posse iniciando o seu mandato. Na imprensa do Brasil ganhou espaço a presença na solenidade do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) e sua comitiva. Resumindo o discurso de Milei na solenidade: disse que não era mágico para resolver os complexos problemas econômicos do país em um piscar de olhos. Durante a campanha falou que tinha a solução dos problemas, como a dolarização da economia. Se não houver nenhum fato extraordinário nos primeiros dias do governo Milei, o caso da Venezuela com a Guiana deve voltar às manchetes porque na quinta-feira está previsto o encontro entre os dois presidentes. E quanto tempo ficará lá vai depender do que irá ocorrer nesse encontro entre Maduro e Ali. Pode acontecer de tudo, como pode não dar em nada.

Reportagem publicada originalmente em “Histórias Mal Contadas”.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.