Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por que o vexame não é novidade

Excelente, infelizmente, a coluna de hoje na Folha, ‘Qual é a novidade?’, do historiador britânico Kenneth Maxwell, radicado nos Estados Unidos e um dos mais lúcidos brasilianistas da atualidade.

Vejam por que:

Fui convidado a um pequeno almoço privado na City de Londres, no começo do escândalo do mensalão. Cinco ou seis dos maiores fundos de hedge do mundo estavam representados à mesa, e uma decisão coletiva daqueles homens e mulheres quanto a abandonar os ativos brasileiros poderia ter sido um desastre para o Brasil -então e até mesmo agora. Todos estavam muito bem informados sobre o que andava acontecendo em Brasília. Quando estávamos de saída, um deles me disse: ‘Qual é a novidade?’

Em outras palavras, as coisas continuavam como sempre. Corrupção como sempre. O velho Brasil de sempre. Sem dúvida, na semana passada, eles deram coletivamente de ombros quanto às trapalhadas no Senado brasileiro. Afinal, era mais um exemplo de políticos brasileiros fazendo aquilo que fazem melhor, por assim dizer: uma espécie de trejeito coletivo dirigido ao público, à maneira de Marco Aurélio Garcia. E nada disso teve impacto sobre a economia do país, sobre os ‘fundamentos’, como os economistas gostam de dizer.

Mas a questão importa. Por quê?

Os meios da corrupção são bastante conhecidos: pagamentos privados, clandestinos e indiretos, vinculados a transações dúbias e realizados por empresários que se alimentam das verbas públicas. Esse é o cerne do caso contra o senador Renan Calheiros. Mas o objetivo do governo Lula em todo o episódio era político: como no caso do mensalão, a meta era aprovar legislação fiscal e econômica no Congresso.

No entanto esse tipo de barganha envolve vender a alma ao diabo. E por quê? Porque metodologias antigas e comprovadas como essas esvaziam uma reforma política real. E essa é também uma história brasileira muito antiga; uma espécie de perverso gênio brasileiro que antecipa as mudanças e, no processo, as impede; por isso, faltam à histórias brasileira verdadeiras rupturas e ela é caracterizada por múltiplas contra-revoluções bem-sucedidas. É uma característica que, com certeza, garante uma forma de continuidade e de estabilidade morosa. Mas serve também para perpetuar estruturas arcaicas e bloquear o surgimento de um senso coletivo de cidadania responsável, especialmente entre os políticos desprovidos de vergonha.

Fernando Henrique Cardoso se deixou apanhar nessa armadilha ao negociar para obter um segundo mandato. A emasculação, corrupção e cooptação do PT no governo é o mais recente capítulo da trama.

Infelizmente, a administradora de fundo de hedge tinha razão ao sair apressada do almoço naquela tarde londrina a fim de cuidar dos bilhões que tem ‘sob administração’. Qual é a novidade?

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