Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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A mídia das manchetes ululantes

Os jornais requentam nesta terça-feira (29/7) a polêmica causada pela incursão do banco Santander na campanha eleitoral, ao selecionar declarações feitas pela presidente Dilma Rousseff durante sabatina organizada no Palácio da Alvorada pela Folha de S. PauloUOL,SBT e rádio Jovem Pan.

Com isso, os leitores têm a oportunidade de refletir mais friamente sobre o comunicado em que o setor de análise de investimentos do banco espanhol recomenda explicitamente a seus clientes brasileiros de alta renda que votem contra a reeleição da presidente.

O episódio tem sido comparado a uma manifestação feita em junho de 2002 pelo magnata americano George Soros, de origem húngara, que previu o caos na economia brasileira caso José Serra não fosse eleito presidente, contra Lula da Silva, do PT.

O megainvestidor verbalizou certa convicção que corria no mercado, segundo a qual, se eleito, Lula iria dar o calote na dívida externa e o Brasil deixaria de honrar seus títulos.

Operadores da campanha de Serra espalharam o veneno do pessimismo, e rapidamente a profecia se auto-realizou, trazendo grandes prejuízos à economia nacional.

Entre junho e dezembro daquele ano, o câmbio disparou do patamar de R$ 2,63 para R$ 3,55; os juros básicos subiram de 18,5% para 25%, e a inflação mensal foi multiplicada por quase 15 vezes no decorrer do semestre, com o índice anual chegando próximo de 11% em novembro.

Com a posse de Lula e a desconstrução da teoria do apocalipse, o mercado se acomodou e os indicadores voltaram ao seu leito natural.

Análises pessimistas já circulavam com intensidade, por conta da deterioração dos indicadores econômicos no final do governo Fernando Henrique, antes que a Folha de S. Pauloentrevistasse o megainvestidor.

A declaração de George Soros apenas consolidou especulações esparsas que aumentavam a volatilidade do mercado e agravavam as dificuldades do governo para manter o controle; mas certamente a imprensa ajudou a espalhar o caos, ao publicar a previsão de George Soros sem oferecer com o mesmo destaque a contrapartida de uma análise mais ponderada.

A fonte de todo saber

A imprensa nunca apresentou aos seus leitores o custo desse episódio, que configurou uma verdadeira conspiração contra os interesses do País, e hoje, como ontem, é de se questionar por que motivo os jornais dão curso às projeções pessimistas com indisfarçável regozijo, em manchetes ululantes.

Se, em 2002, a profecia alarmista de George Soros servia ao propósito da imprensa de interferir na disputa eleitoral em favor de José Serra e contra Lula da Silva, em 2014 a manifestação dos analistas do banco Santander não produz o mesmo efeito.

Qual seria a razão dessa mudança?

Um dos motivos é certamente o fato de que, em doze anos de uma política econômica com mais preocupação social, o Brasil melhorou, a pobreza entrou em queda, a desigualdade foi reduzida e houve uma melhora geral na percepção de bem-estar.

Portanto, há um contexto social menos vulnerável a pregações pessimistas, embora persistam circunstâncias preocupantes, como as oscilações de preços e a deterioração histórica da indústria nacional.

Por outro lado, o chamado mercado se tornou mais complexo, e aquele núcleo onde atuam os especuladores não produtivos reduziu-se em relação ao conjunto das movimentações financeiras, enquanto novas fontes de financiamento diversificam os meios de capitalização das empresas.

Mas pode-se acrescentar a esses fatores a queda na credibilidade da mídia tradicional: uma manchete de jornal já não tem o mesmo poder de influência que tinha há pouco mais de uma década, e quem toma decisões financeiras importantes faz uma leitura mais crítica das notícias.

A análise dos consultores do Santander coincide com o que pensam a direção do banco, os especuladores e a imprensa hegemônica.

Mas há uma realidade a ser considerada, e ela conta que as instituições financeiras ganharam muito dinheiro com a política econômica baseada no aumento da renda das classes médias.

A maneira atabalhoada com que o presidente do Santander veio a público desfazer o mal-estar apenas escancara a situação ridícula em que se coloca a imprensa ao fazer do mercado a fonte de toda sabedoria.