O futuro do governo Lula pode estar condicionado a uma estratégia de comunicação preocupada em incentivar uma nova percepção do papel da informação no dia a dia das pessoas, especialmente nos segmentos sociais de média e baixa renda. Trata-se de uma mudança provocada também pelo surgimento de uma nova relação entre os Três Poderes da República, com a predominância da negociação e da busca de apoio junto à população.
O presidencialismo já não tem mais a capacidade de se apresentar como o grande polo de poder na tomada de decisões e com isto sua relação com a opinião pública passou a ter que ser feita em bases diferentes da pura divulgação de resultados. Uma nova estratégia de comunicação passa a ser fundamental para que o presidente evite o risco de ficar isolado na opinião pública nacional e com isto vulnerável a ações paralegais como a que derrubou a ex-presidente Dilma Roussef, em 2016.
O governo Lula tem duas estratégias de comunicação em curso. A estabelecida pela Secretaria de Comunicação centrada nas realizações da atual gestão federal e a outra baseada no carisma e capacidade do presidente Lula de transmitir empatia e emoções ao público. A linha inicial da SECOM, focada na farta apresentação de números, estatísticas e fatos, parece estar sendo alterada com a introdução de um novo modelo como o revelado na mensagem natalina sobre vacinação e a que vincula o PAC à felicidade familiar pela via de novos empregos.
A estratégia da SECOM seguida até agora, obedece aos cânones tradicionais da comunicação política que se tornaram anacrônicos e ineficientes diante do avassalador efeito da interação personalizada nas redes sociais virtuais. Já Lula usa o seu instinto e sua experiência política para se comunicar. Temos uma comunicação burocratizada com baixo índice de resposta popular, paralelamente a uma comunicação humanizada e concentrada numa única pessoa.
É uma situação instável e complexa porque, caso não haja mudança completa na estratégia de comunicação da SECOM, a sobrevivência do governo Lula tende a depender basicamente da popularidade do presidente, já que ele não tem o controle do Poder Legislativo, não conta com a adesão do empresariado privado e nem pode considerar os militares como aliados incondicionais.
Os riscos do efeito Dilma
Além disso, a estratégia editorial combinada dos três maiores conglomerados jornalísticos do país visa desgastar gradual e progressivamente a imagem do governo por meio da ampliação sistemática de divergências e dificuldades da administração Lula. É o que popularmente se conhece como “comer pelas beiradas”. É uma estratégia, sempre sutil, que já deu certo contra Dilma Roussef e que está sendo novamente posta em prática agora como o reforço de uma oposição de extrema direita muito mais forte e ousada.
Do ponto de vista da comunicação pública, Lula está cercado e tem como única saída o desenvolvimento de uma comunicação institucional baseada no apelo a valores emocionais como o adotado atualmente nas campanhas publicitárias das grandes empresas multinacionais. Não se trata mais de vender ou promover um produto ou serviço, bem como alardear resultados e estatísticas, mas de associar estes mesmos produtos e realizações a emoções e comportamentos que todos nós vivemos no dia a dia. É a melhor maneira de criar empatia e identidade entre uma empresa ou governo e seu respectivo público.
Lula tem conseguido minimizar os danos do cerco da grande imprensa à sua imagem pública com ações de impacto como o retorno dos brasileiros e seus parentes que estavam na zona de guerra na Palestina. Ele ganhou espaços generosos na mídia, da mesma forma que suas ações no campo das políticas sociais como gênero, raça e direitos humanos conseguem furar o bloqueio informativo das principais redes de TV. Elas, hoje, apostam tudo na conquista de “corações e mentes” dos segmentos de baixa e média renda na tentativa de reduzir a acentuada queda de audiências na classe média branca e urbana que migrou para Facebook, Instagram, Twitter e You Tube.
Mas é uma batalha desigual porque o poder de comunicação ainda está concentrado nos grandes conglomerados, cuja estratégia é “aguentar” Lula enquanto o prestígio popular do presidente ainda for forte. A percepção dos usuários de redes sociais virtuais sobre o governo Lula ainda está fortemente influenciada pela agenda pública proposta pela Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S.Paulo.
A comunicação será inevitavelmente o principal campo de batalha que decidirá o futuro do governo Lula, especialmente no ano eleitoral de 2024 e na ressaca política de 2025. Não importa o que o governo faça ou prometa. O que conta é a forma como as pessoas perceberão as condutas e realizações da equipe de Lula, e isto será condicionado basicamente pelo tipo de informação que as pessoas receberão através dos meios de comunicação. Não adianta lamentar que a opinião pública esteja sendo condicionada por dados e fatos descontextualizados, meias verdades, fake news e desinformação.
A realidade fluída
A confrontação destas distorções informativas exige estratégias próprias e cuja origem precisa estar na pesquisa, a mais detalhada possível, do estado de espírito da opinião pública, sem ideias e teorias preconcebidas. O sociólogo britânico Nick Couldy, um especialista em fluxos informativos afirma que hoje é fundamental saber o que as pessoas fazem nas redes sociais, o que elas dizem sobre o que é publicado e quais as ferramentas que usam para navegar pelo Facebook, Twitter, Instagram e Whatsapp.
Campanhas publicitárias e marqueteiros políticos bem-sucedidos no passado não são mais garantia de resultados positivos porque a realidade social entrou num período de extrema fluidez, onde o único parâmetro minimamente seguro é o estudo da conjuntura. Não há mais fórmulas mágicas e nem soluções infalíveis, o que pode ser perturbador, mas é uma situação com um grande potencial de criatividade e inovação.
Esta realidade é uma consequência direta do fato de que a comunicação e a informação deixaram de ser apenas ferramentas para se transformarem em itens essenciais à existência de comunidades sociais. Itens tão importantes como educação, emprego, saúde e segurança porque sem a comunicação e informação as pessoas não conseguem, na era digital, tomar decisões adequadas às suas necessidades e desejos. Cabe aos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) evitar que os fluxos de informação sejam distorcidos por interesses políticos, ideológicos e empresariais.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.