Além de um punhado de erros factuais, a notícia da morte do jornalista e advogado D’Alembert Jaccoud no Estado desta quarta-feira, 27, não dá ideia de que, pelo rigor e a integridade, ele foi um dos melhores repórteres e comentaristas políticos das décadas de 1960 e 1970 no Brasil. Pressões do regime militar tiraram D’Alembert de dois jornais, a Folha e o Jornal do Brasil.
No caso do JB, as pressões vieram diretamente do chefe da Casa Civil do governo Médici, João Leitão de Abreu. Praticamente banido da imprensa, D’Alembert foi exercer a advocacia. Ele era já formado em direito quando se tornou jornalista.
Não sem relutância, aceitou ser resgatado para o ofício no começo dos anos 1970 por iniciativa de Zuenir Ventura, diretor da sucursal carioca da revista quinzenal Visão, quando ela passou a ser dirigida por Luiz Garcia (hoje, como Zuenir, colunista do Globo). Baseado em Brasília, D’Alembert ajudou a fazer da Visão uma publicação respeitada pelo seu nível, densidade e independência – apesar da ditadura. O seu editor cultural, a propósito, era Vladimir Herzog, que morreria torturado no DOI-Codi em 1975.
Quando o dono da Visão, o publicitário Said Farhat, a vendeu ao empreiteiro Henri Maksoud, em 1974, Zuenir, Garcia e D’Alembert se demitiram. Mais tarde, D’Alembert assumiu a chefia da sucursal de Brasília da revista Veja.
Dela foi demitido em 1978 por motivos políticos – a direção da revista em São Paulo estava em guerra com o diretor da sucursal, o veterano modernizador de jornais Pompeu de Souza. A Veja apoiava o general João Batista Figueiredo à sucessão do presidente Geisel. Pompeu simpatizava com a candidatura do general dissidente Euler Bentes Monteiro à eleição indireta daquele ano .
A posição de Pompeu em nenhum momento tornou menos isenta a cobertura política comandada por D’Alembert. Já a direção da semanal não se inibia em editar com mão pesada as matérias apuradas em Brasília – naquele tempo, a Veja ainda não tinha adquirido a merecida fama de ser o mais faccioso órgão da grande imprensa nacional.
Exemplo de distorção foi o que saiu da matéria com que D’Alembert e equipe tiraram a limpo as dúvidas sobre a adesão do MDB à candidatura Euler. Um cuidadoso levantamento junto aos diretórios do partido nos Estados os levou a concluir que a sigla caminhava para apoiar o general no colégio eleitoral.
A versão canetada da reportagem admitiu que os defensores dessa linha eram maioria na agremiação. Mas, na contramão dos fatos, bancou com arrogância que “tudo vai correndo como deveria correr e que, no fim, acontecerá o que deveria acontecer. Ou seja: muito vai se falar, muito vai se brigar, mas o MDB deverá acabar sem candidato”.
O MDB acabou lançando Euler, como D’Alembert antecipara. E ele acabou fora da Veja e do jornalismo – dessa vez, sem volta.
Morreu domingo de câncer, pouco antes de completar 75 anos.