É como se a imprensa desafiasse o leitor.
O desafio consistiria em fazê-lo tomar pelo valor de face informações importantes, mas sem procedência determinada, ou nem sequer sugerida.
O leitor pode contestar a notícia por não se basear em fontes com nome e sobrenome. É a reação do tipo “quem foi que disse?”
Pode aceitá-la, ainda assim, por qualquer dos seguintes motivos, ou por uma combinação entre eles:
1) ele acredita no jornal; 2) conhece o(a) repórter de nome e em princípio lhe dá crédito – ao se lembrar de outras matérias de sua autoria, que acabaram passando no teste da verdade, pois os fatos posteriores as confirmaram; 3) embora de origem não identificada, a narrativa não só faz sentido, mas é coerente com o que se sabe dos seus personagens.
O leitor também pode rejeitar a matéria por não gostar do que leu – ou pode aprová-la porque gastou.
[Jamais se deve subestimar a influência da subjetividade nas reações de cada qual às notícias do dia. Diferentemente do jornalista que é treinado e pago para relatar as verdades que conseguiu apurar, ou assim imagina ter feito, o leitor pode brigar quanto queira com os fatos que lhe são transmitidos. Mas essa é outra história.]
Na soma algébrica de prós e contras, o resultado, em geral, tende a beneficiar as matérias sem pai nem mãe, como é o caso de chamá-las.
Pena, porque poupa o jornalista de ser chato com as suas fontes que exigem anonimato – às vezes por interesse em plantar uma versão – pedindo-lhes ao menos que expliquem o porquê disso, por mais óbvio que seja, para demonstrar um mínimo de consideração com o leitor.
Como neste texto distribuído ontem pela agência americana Associated Press:
“Os militares americanos informaram previamente os russos dos vôos [que traziam de volta as tropas georgianas enviadas ao Iraque] para evitar mal-entendidos, disse um oficial na segunda-feira sob condição de anonimato porque ele não estava autorizado a falar do assunto publicamente”.
Ora, pois: se estivesse, não haveria motivo para o anonimato. Mas antes isso, por mais que soe a piada de português, do que nada.
Como nesta matéria do Estado de ontem intitulada “Tarso errou o tom, avalia presidente”, com o subtítulo “Maior aborrecimento foi a forma como ministro iniciou polêmica” [sobre a punição aos torturadores da ditadura].
O texto abre com o registro de que o presidente Lula “costuma aproveitar o estilo briguento do ministro da Justiça, Tarso Genro, para lançar balões de ensaio sobre temas espinhosos e sentir a reação da sociedade”.
Um único exemplo que fosse, nem pensar. Mas passemos.
Adiante se lê que “não foi o que aconteceu no caso do embate de Tarso com os militares. Motivo: Lula sempre avaliou que tocar nas Forças Armadas é como mexer num vespeiro”.
E adiante: “Lula disse a Tarso que era preciso agir rápido e evitar que o tema se transformasse numa batalha do Executivo. A ordem foi bater na tecla de que tudo está na alçada do Judiciário”.
Parece verossímel. Mas quem foi que disse que Lula disse o que se lhe atribui?
No mínimo o leitor merecia um afago do tipo “segundo um colaborador próximo do presidente, que pediu para não ser identificado porque não estava autorizado a falar do assunto publicamente…”, conforme a fórmula ora, pois, da AP.
O resumo da ópera é que, a julgar pela versão do sujeito oculto da matéria, de um lado, Lula não sabia previamente da iniciativa do ministro – “não foi o que aconteceu no caso do embate de Tarso com os militares”; e, de outro, “o que mais aborreceu o presidente foi a forma como o ministro entrou na polêmica”.
Fica a critério de cada um pegar ou largar.