No terceiro aniversário do ataque dos trumpistas ao Capitólio, no 6 de janeiro, numa tentativa de impedir a posse de Joe Biden sob a alegação de fraude nas urnas, e dez meses antes da eleição presidencial nos EUA, as sondagens dão uma ligeira diferença em favor do retorno de Donald Trump.
E isso provoca inquietação, não só dentro dos Estados Unidos como na comunidade internacional, diante das intenções declaradas do ex-presidente Trump de reformular diversas leis e criar, na primeira potência mundial do planeta, um governo forte, para não dizer uma inédita ditadura de extrema-direita nos Estados Unidos, um contraponto a Vladimir Putin na Rússia.
Num dos seus primeiros discursos na campanha eleitoral por sua reeleição, o presidente Joe Biden é bem claro: “Está acontecendo alguma coisa perigosa na América. Existe um movimento extremista que não participa dos valores fundamentais da nossa democracia.”
Essa não é uma simples frase de campanha eleitoral. Realmente, se Trump não se tornar inelegível por haver incitado o ataque ao Capitólio, no qual seus seguidores excitados poderiam ter liquidado deputados e senadores democratas, e se reeleger presidente, estará aberta a mitológica Caixa de Pandora.
Os Estados Unidos vivem um momento de polarização, no qual a extrema-direita nacionalista, liderada por Trump, poderá criar leis autoritárias e arbitrárias, podendo levar os EUA à mesma aventura vivida no passado pela Alemanha, dando-se a Trump os poderes para “resolver todos os problemas do país”. Sua política externa poderia acabar com o precário equilíbrio mundial existente.
Um de seus planos, segundo o New York Magazine, seria o de assumir o controle total da administração norte-americana descartando os atuais altos funcionários, valendo-se para isso da cumplicidade da Alta Corte, na qual, quando presidente, já construiu a maioria para ter sempre seu controle.
Não se trata de temores infundados ou de um alarme excessivo, diante da hipótese de Trump, personalidade dotada de grande egolatria, chegar novamente à presidência. Ainda recentemente, um escritor canadense, Stephen Marche, previa no seu novo livro “A Próxima Guerra Civil,” o declínio das instituições democráticas norte-americanas.
Quase ao mesmo tempo, o escritor norte-americano Douglas Kennedy publicou, em junho, um livro, cuja capa é uma bandeira dos EUA rasgada ao meio, sobre uma nova secessão entre os Estados, depois de uma rápida guerra civil. Surgem dois países totalmente opostos, um com bastante liberdade e outro religioso cristão fundamentalista onde aborto, divórcio, homossexualidade são pecados punidos severamente.
Essa apreensão diante do futuro dos EUA, coincide com o reforço da extrema-direita na Europa. Fator importante nos EUA, Trump significa o reforço da influência religiosa e o controle pela religião com seus dogmas na elaboração das leis e nos julgamentos do judiciário. Assim como ocorreu no Brasil com Bolsonaro, os evangélicos norte-americanos são os grandes apoiadores de Trump.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.