Protestar é preciso, mas entender custa mais caro, dizia com palavras parecidas uma canção política italiana de 40 anos atrás.
Hoje, em graus variados, a imprensa exibe indignação por ter o plenário da Câmara salvo o mandato do petebista mineiro Romeu Queiroz, cuja punição havia sido pedida pelo Conselho de Ética. Ele recebeu do valerioduto e da Usiminas R$ 452 mil em recursos ilícitos.
No Estadão, já no título do seu comentário, a colunista Dora Kramer comparou a Câmara a uma “casa de tolerantes”. Ficou a um milímetro do risco de ser processada se comparasse com todas as letras a instituição a um bordel, chamando-a de casa de tolerância. Mas todos quantos sabem o que a expressão significa receberam a mensagem.
A Folha mandou ver no editorial “Falta de decoro” – outra alusão cristalina. Define pizza, sofisticadamente, como “a perpetuação das iniquidades dos poderosos combinada com a deterioração da imagem da política e da própria democracia.
E o Globo levou a palma, dando ao vexame o que merece: manchete de primeira página (“Acordão entre partidos livrou deputado e pode ser repetido”). Dentro, os colunistas Tereza Cruvinel e Merval Pereira ressaltaram a coincidência entre a absolvição de Queiroz e a decisão do Congresso de se autoconvocar extraordinariamente de hoje a 14 de fevereiro, a um custo de R$ 100 milhões para o contribuinte.
Mas o essencial é o que as reportagens e artigos trazem de forma menos ou mais articulada – as informações que permitem ao leitor ligar os pontos e saber afinal por que Romeu Queiroz se safou.
Porque não basta chamar os políticos disso ou daquilo e despejar sobre suas cabeças, em nome da sociedade, a justa ira de quem os sustenta e deles espera menos conivência e mais decência.
Além de bater o bumbo e soltar os cachorros, a mídia tem de fazer a anatomia de uma decisão escabrosa como a do “valerioindulto”, termo inventado pelo deputado Chico Alencar (PSOL, ex-PT) para designar a obscena absolvição de Queiroz.
É um serviço público identificar os fatores que se conjugaram para manter no Legislativo um cidadão que tem o supremo desplante de se dizer inocente de ter quebrado o decoro parlamentar porque não ficou com a grana recebida ilegalmente, mas a repassou ao PTB e a diversos políticos para pagarem dívidas de campanha.
O jornal que mais perto chegou de fazer isso foi a Folha – e, ainda assim, no texto bolotado “Motivos da absolvição de Queiroz”, dentro do infográfico “Os processos na Câmara”.
Quando se caracterizam os fatores que jogaram a seu favor – os interesses do governo e dos demais políticos (e partidos) ameaçados; a solidariedade dos figurões federais e estaduais da política mineira, sem distinção de partido; e o apreço dos colegas pelo acusado – se entende um pouco melhor como funciona de verdade o Congresso Nacional.
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