Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Faltou constar na Folha que espião da Kroll está na lista dos agentes da Operação Condor

A Folha de S.Paulo traz hoje boa reportagem na manchete principal que comprova que o banqueiro Daniel Dantas, cliente preferencial do BNDES durante a privatização das telecomunicações, é bom lembrar, usou, sim, dinheiro de acionistas das empresas que administrava para espionar autoridades do governo brasileiro. A reportagem privilegia a informação de que a Kroll, empresa de espionagem norte-americana, recorreu à CIA, a agência de informações do governo dos EUA, segundo consta nos documentos reproduzidos pelo jornal. Os documentos são da Kroll e de autoria de seu ex-diretor, Frank Holder, de currículo muito maior do que o apresentado pelo jornal. 

O link principal que a reportagem apresenta como prova de envolvimento da CIA são as referências apresentadas por Holder e seu passado na agência, antes de tornar-se agente da Kroll.

Frank Holder, faltou dizer, é suspeito de fazer parte da galeria de personagens sinistros que atuaram como agentes da CIA durante o período de ditaduras  na América Latina, então um dos principais alvos da agência. Seu nome consta das listas de seqüestradores que agiram durante a Operação Condor, pela qual adversários dos regimes militares da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai eram seqüestrados e enviados aos algozes de seus países de origem. Esta é a informação divulgada pelo jornal La Jornada, do México, do último dia 24, na reprodução de reportagem de seu associado, o Clarín, jornal de maior circulação na Argentina. Frank Holder é identificado como um dos agentes que se tornaram conhecidos por seus trabalhos na ‘guerra suja’ em diversos países, ‘paricularmente na América Central’, frisa o jornal mexicano.

Más companhias
É com figuras como a do ex-espião da CIA que a revista Veja se meteu, duas semanas atrás, ao publicar a lista das supostas contas bancárias no exterior de vários políticos e autoridades brasileiras, incluindo o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. A troca de acusações entre o banqueiro e a direção da revista após a publicação da lista azedou a relação dos ex-aliados. O ex-personagem invisível (na semana em que o Daniel Dantas foi à CPI dos Correios, Veja não trouxe uma palavra sobre seu depoimento), ou aquele oprimido empresário que contratou a Kroll como recurso para se defender dos achaques que sofria do governo, como chegou a publicar a revista, agora é seu alvo preferencial.

O ódio nasceu há duas semanas, com a publicação de resultados da ‘espionagem’ de Holder que resultou na publicação, pela revista, das supostas contas bancárias. Quando se deu conta da irresponsabilidade e da classe de gente com que se envolvera, a revista tentou dividir a responsabilidade pela publicação da lista, dizendo que a recebera pessoalmente de Daniel Dantas. O banqueiro, que já está sendo processado pelo crime de espionagem, tirou o corpo fora – e diz que a direção da revista mente. No barulho da troca de acusações, a direção da revista se esqueceu de explicar aos seus leitores qual critério jornalístico adotou para publicar informações que não conseguiu comprovar, após seis meses de ‘exaustivas’ investigações. Nesta semana, a revista investe contra o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e diz que Dantas está condenado ao ‘restolho’ da história.

Me engana que eu gosto
A barca furada em que a revista entrou ao fazer dupla com o banqueiro Daniel Dantas, para tentar derrubar o governo, já se reflete em números de assinantes e exemplares vendidos em banca. A ‘transparência’ de outrora, quando a tiragem da semana aparecia impressa abaixo da carta do editor, de tão transparente, sumiu. A campanha atual de venda de assinaturas, oferecendo enciclopédia ou camisa da Seleção de lambuja, é sinal de debandada de leitores.

Algumas páginas depois
Como complemento, a coluna Mercado Aberto, ainda da Folha, algumas páginas depois da cobertura que põe a CIA no balaio da espionagem de Dantas, traz que relatório da corretora Link da última sexta-feira, ‘emitiu um comentário intitulado ‘Daniel Dantas é vítima, não bandido’. Recomenda-se a leitura. A nota remete para um pedido de desculpas de um dos economistas da corretora, que diz ter descoberto que o banqueiro ‘pagou e vem pagando pela sua sofisticação e empreendedorismo’. Aponta, também, que a corretora Link tem como sócios os filhos de Luiz Carlos Mendonça de Barros, mas se esquece de dizer aos leitores que Luiz Carlos Mendonça de Barros era o presidente do BNDES durante o processo de privatização das teles. 

Assertiva sem lógica 
No editorial, ‘Oposição sem rumo’, ao analisar a desorientação das oposições na corrida à Presidência, a Folha de hoje diz:
‘No outro extremo da escala social, o Bolsa-Família ocupa agora – com mais eficiência, diga-se – o terreno antes propício ao clientelismo pefelista’.

Na página, A-23, a reportagem ‘Bolsa-Família é o programa com mais foco’, cuja leitura também se recomenda, traz que:

‘Estudo quantitativo do Banco Mundial mostra que, em termos quantitativos, não há dúvida: o Brasil tem o mais amplo e bem focalizado programa de transferência de renda da América Latina. Mas, em termos qualitativos, temos algo a aprender com alguns vizinhos, como o Chile, que criou um programa que dá atenção especializada para ajudar os beneficiados a ingressar no mercado de trabalho’.

A assertiva não tem lógica. O Bolsa-Família atende a 8,7 milhões de famílias (número do ano passado); Chile Solidário, nome do programa chileno, 230 mil famílias. Feita a conta de dividir, obtém-se que o programa brasileiro atende 35 vezes mais famílias. No Chile, o atendimento é personalizado – essa é a ‘lição’ que o Brasil deveria aprender, estimula a terceira reportagem da série, ‘Chile promove ação social personalizada’.
A ‘lição’ recomendada não faz sentido. Primeiro, pela impossibilidade de atenção ‘personalizada’ a 8,7 milhões de famílias – 14 milhões de famílias, segundo o governo; segundo, pela despesa que acarretaria. Terceiro, porque serviria de exemplo para a imprensa e oposição criticar ‘a elevação irresponsável dos gastos públicos’.

Brasil e a ONU
E quanto à conferência do primeiro-ministro britânico Tony Blair, na Universidade de Georgetown, que hoje a Folha reproduz? Blair é a mais alta autoridade de um dos cinco países que têm assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, e defende a mesma tese da, segundo nossa imprensa, ‘fracassada’ política de relações exteriores. Sobre a reforma que a ONU precisa – e o Brasil tem defendido -, ele diz: ‘Um Conselho de Segurança que tenha a França como membro permanente, mas não a Alemanha, o Reino Unido e não o Japão, a China e não a Índia, para não mencionar a ausência de representante da América Latina ou da África, não pode ser considerado legítimo hoje’.

Com a palavra, os editorialistas e colunistas que nos últimos anos desqualificaram o Itamaraty por dizer a mesma coisa.

Corrupção generalizada
A manchete principal do O Estado de S.Paulo de hoje, que traz resultado de auditoria apontando que 77% das prefeituras do país estão ‘envolvidas em graves irregularidades’, em uma palavra, corrupção, propicia excelente oportunidade para a imprensa auxiliar o país a se livrar dessa praga. Números globais sobre a roubalheira, volta e meia, aparecem na mídia, mas são inofensivos. O prejuízo causado pelas quadrilhas só faz crescer. Está na hora de a imprensa, principalmente a televisão, que é mais imune a boicotes, como o do sumiço de jornais em bancas e outros atos do estilo, mostrar os retratos 3×4 dos bandidos. A ocasião é mais do que providencial, pois serviria de orientação aos eleitores nas eleições de outubro. O aprofundamento da investigação certamente levaria aos padrinhos dos prefeitos ladrões que se encontram no Congresso Nacional. A pauta também ajudaria as sucursais da grande imprensa em Brasília a se aproximar mais do que efetivamente é importante para o país. Recomenda-se fortemente a leitura na íntegra.