Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Caras do Brasil

Décimo-terceiro para Bolsa Família ou militares da reserva unidos em defesa de colega acusado de ter sido torturador: o que expressa melhor a cara de um Brasil fora do tempo?


O Estadão deu ampla cobertura ao almoço de solidariedade ao coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra. O Globo fez um pequeno registro. Não se noticia a presença de oficiais da ativa, o que infringiria os regulamentos.


Segundo o coronel da reserva Geraldo Cavagnari, fundador e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da Unicamp, em entrevista ao Observatório em 2004, o pensamento mais retrógrado só tem curso entre oficiais mais antigos.


Esse pensamento foi ilustrado ontem pelo ex-ministro e coronel da reserva Jarbas Passarinho (“Como se fosse crime defender com risco da própria vida a nossa pátria”, na reportagem do Estadão).


Cavagnari havia falado sobre o caso Herzog e a reivindicação de abertura dos arquivos (ver “Sentido político do acesso aos arquivos da repressão”). Explicara que


      …ainda é muito forte dentro das Forças Armadas o núcleo, numericamente bem pequeno, de remanescentes dos grupos que participaram da conspiração que levou ao golpe de 1964, serviram durante o regime militar e participaram da repressão e da tortura.


Mas só do posto de tenente-coronel para cima’, especificara. ‘Até o posto de major, com certeza a oficialidade não tem compromisso com esses episódios e acha que é preciso abrir os arquivos’. Os oficiais das novas gerações, segundo o pesquisador da Unicamp, não têm por que assumir a responsabilidade por fatos que se revestem de significado histórico, mas não institucional.


Entretanto, como existe solidariedade corporativa, exacerbada no caso dos militares, o país ainda está sujeito a ‘recaídas’ como a expressada, na opinião de Cavagnari, pela nota do Centro de Comunicação Social do Exército (Cecomsex) divulgada em 17 de outubro (de 2004), juntamente com supostas fotografias do jornalista Vladimir Herzog.


Como se vê, houve agora nova “recaída”, reação a uma decisão da Justiça de São Paulo em processo movido por vítimas da tortura, que pode levar a uma revisão da Lei de Anistia, como já ocorreu no Chile, na Argentina e no Uruguai.


Essa lei foi decretada por um ditador, João Batista Figueiredo, no início de seu governo, último de um general. Ela é injusta na medida em que protege quem cometeu crimes que iam muito além do cumprimento do dever, seja no governo, seja na oposição. É doloroso, foge à tradição brasileira de contemporizar (mas só com integrantes de alguma das elites, porque o povão não goza desse privilégio), mas tem que ser dito.


Ela é politicamente nefasta na medida em que recobre com um véu de silêncio o debate sobre o uso da violência sem regras para governar e para tentar derrubar o governo.


O espírito da anistia deve prevalecer, mas no exame da História não pode haver leniência em face de determinados crimes, tais como qualificados pelas leis da época em que foram cometidos.