Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Melhorou!

Na mais austera das manchetes de hoje dos três principais jornais do país sobre os resultados amplamente positivos da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), do IBGE, o Estadão diz que “Brasil faz algum avanço”.

Dá para dizer o mesmo da qualidade da cobertura da imprensa do que certamente constitui o melhor panorama da variação, ano a ano, das condições de vida da população brasileira.

Isso, embora a manchete da Folha tenha afirmado que “Ricos ficam mais pobres” (na primeira página) e “Rico empobrece” (na primeira página do caderno especial dedicado à pesquisa).

Até parece. O que aconteceu com os ricos, segundo a PNAD, foi que eles ficaram um pouquinho menos ricos: queda de 0,7% na renda do 1% mais rico dos brasileiros e de 2,2% na renda dos 5% mais ricos. Entre isso e ficar “mais pobre” ou “empobrecer” vai um abismo.

O Globo também poderia ter sido mais moderado na manchete, que parece ter saído diretamente do último programa de propaganda do PT (e com certeza estará no próximo): “Governo Lula reduz mais a desigualdade”.

A manchete se refere ao Índice Gini, usado no mundo inteiro para medir a desigualdade econômica numa população. O índice varia de zero a um. São dois números teóricos: zero seria a igualdade absoluta e um, a desigualdade absoluta. O que interessa é o que se verifica entre esses dois extremos irreais.

O Gini brasileiro é um dos piores que há. Mas, muito lentamente, muito gradualmente e muito insuficientemente, está ficando menos pior.

Para se ter idéia, em 1993, no ano em que chegou ao auge o efeito concentrador de renda da inflação crônica, o Gini verde-e-amarelo era de deixar vermelho de vergonha: 0,6. Mas no último ano do governo Fernando Henrique já tinha baixado para 0,563. A tendência continuou no governo Lula: 0,554 em 2003 e 0,547 no ano passado – a melhor marca desde 1981.

‘Não é ruim que os mais ricos tenham perdido um pouco’

Mas está claro que é um processo cumulativo: por menos que venha caíndo a desigualdade, e essencialmente por isso o Brasil continua a ser um país indecente, em nenhum dos últimos governos ela deixou de cair – salvo em 1997, quando ficou na mesma em relação ao ano anterior.

“O ideal seria que o índice de Gini melhorasse com todos ganhando, mas com os pobres ganhando relativamente mais do que os ricos. Mas também não é ruim que os mais ricos tenham perdido um pouco”, observou na Folha o diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Saboia.

“De todo modo é um processo de distribuição de renda. Mesmo que a distribuição tenha melhorado continuamente, a renda ainda é muito concentrada no Brasil. Poucos países ainda têm um grau de concentração como o nosso”, enfatizou o economista da UFRJ.

A citação é um exemplo do esforço que os três grandes jornais fizeram – e nisso foram mais bem sucedidos do que em outros anos – para organizar a diversificada numeralha da PNAD; hierarquizar as informações, procurando não só destacar, mas destacar com clareza o que o IBGE diz que mudou para os brasileiros de 2003 para 2004; e, embora não tanto quanto seria desejável, apresentar explicações para as mudanças.

É como o Índice de Gini: tem muito ainda que melhorar, mas já foi pior o tratamento jornalístico desse tipo levantamento estatístico, que precisa ser comunicado depois de muita mastigação. É claro que o IBGE ajuda, preparando material e outros apoios para evitar que repórteres e editores se percam no labirinto de números – eterna praga do ofício em toda parte.

Mas, além disso, cabe ressaltar a decisão editorial de valorizar o assunto, em quantidade e qualidade. Claro que essa valorização varia de jornal para jornal. Já que se trata de números, vamos lá:

O Estadão deu à PNAD 11 títulos e 12 gráficos ou tabelas. O Globo, 13 e 16, respectivamente. E a Folha, com 15 e 18, levou a palma. Não só por isso, mas pela limpidez e riqueza informativa do texto de abertura do seu caderno “Retrato do Brasil”, assinado pelos repórteres Antônio Gois e Pedro Soares, da sucursal do Rio.

Nesses tempos de notícias deprimentes, a PNAD é um colírio para o leitor.

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