Na mais austera das manchetes de hoje dos três principais jornais do país sobre os resultados amplamente positivos da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), do IBGE, o Estadão diz que “Brasil faz algum avanço”.
Dá para dizer o mesmo da qualidade da cobertura da imprensa do que certamente constitui o melhor panorama da variação, ano a ano, das condições de vida da população brasileira.
Isso, embora a manchete da Folha tenha afirmado que “Ricos ficam mais pobres” (na primeira página) e “Rico empobrece” (na primeira página do caderno especial dedicado à pesquisa).
Até parece. O que aconteceu com os ricos, segundo a PNAD, foi que eles ficaram um pouquinho menos ricos: queda de 0,7% na renda do 1% mais rico dos brasileiros e de 2,2% na renda dos 5% mais ricos. Entre isso e ficar “mais pobre” ou “empobrecer” vai um abismo.
O Globo também poderia ter sido mais moderado na manchete, que parece ter saído diretamente do último programa de propaganda do PT (e com certeza estará no próximo): “Governo Lula reduz mais a desigualdade”.
A manchete se refere ao Índice Gini, usado no mundo inteiro para medir a desigualdade econômica numa população. O índice varia de zero a um. São dois números teóricos: zero seria a igualdade absoluta e um, a desigualdade absoluta. O que interessa é o que se verifica entre esses dois extremos irreais.
O Gini brasileiro é um dos piores que há. Mas, muito lentamente, muito gradualmente e muito insuficientemente, está ficando menos pior.
Para se ter idéia, em 1993, no ano em que chegou ao auge o efeito concentrador de renda da inflação crônica, o Gini verde-e-amarelo era de deixar vermelho de vergonha: 0,6. Mas no último ano do governo Fernando Henrique já tinha baixado para 0,563. A tendência continuou no governo Lula: 0,554 em 2003 e 0,547 no ano passado – a melhor marca desde 1981.
‘Não é ruim que os mais ricos tenham perdido um pouco’
Mas está claro que é um processo cumulativo: por menos que venha caíndo a desigualdade, e essencialmente por isso o Brasil continua a ser um país indecente, em nenhum dos últimos governos ela deixou de cair – salvo em 1997, quando ficou na mesma em relação ao ano anterior.
“O ideal seria que o índice de Gini melhorasse com todos ganhando, mas com os pobres ganhando relativamente mais do que os ricos. Mas também não é ruim que os mais ricos tenham perdido um pouco”, observou na Folha o diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Saboia.
“De todo modo é um processo de distribuição de renda. Mesmo que a distribuição tenha melhorado continuamente, a renda ainda é muito concentrada no Brasil. Poucos países ainda têm um grau de concentração como o nosso”, enfatizou o economista da UFRJ.
A citação é um exemplo do esforço que os três grandes jornais fizeram – e nisso foram mais bem sucedidos do que em outros anos – para organizar a diversificada numeralha da PNAD; hierarquizar as informações, procurando não só destacar, mas destacar com clareza o que o IBGE diz que mudou para os brasileiros de 2003 para 2004; e, embora não tanto quanto seria desejável, apresentar explicações para as mudanças.
É como o Índice de Gini: tem muito ainda que melhorar, mas já foi pior o tratamento jornalístico desse tipo levantamento estatístico, que precisa ser comunicado depois de muita mastigação. É claro que o IBGE ajuda, preparando material e outros apoios para evitar que repórteres e editores se percam no labirinto de números – eterna praga do ofício em toda parte. P>
Mas, além disso, cabe ressaltar a decisão editorial de valorizar o assunto, em quantidade e qualidade. Claro que essa valorização varia de jornal para jornal. Já que se trata de números, vamos lá:
O Estadão deu à PNAD 11 títulos e 12 gráficos ou tabelas. O Globo, 13 e 16, respectivamente. E a Folha, com 15 e 18, levou a palma. Não só por isso, mas pela limpidez e riqueza informativa do texto de abertura do seu caderno “Retrato do Brasil”, assinado pelos repórteres Antônio Gois e Pedro Soares, da sucursal do Rio.
Nesses tempos de notícias deprimentes, a PNAD é um colírio para o leitor.
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