Se muitas vezes já é difícil para o leitor formar opinião sobre os diversos pontos de vista divulgados no noticiário sobre uma questão abordada objetivamente pela imprensa – o exemplo do dia é a polêmica em torno da resolução do Conselho Federal de Medicina recomendando aos clínicos suspender tratamentos para prolongar a vida de doentes incuráveis em estágio terminal -, que dizer das situações em que uma das partes interessadas é o próprio órgão de mídia que conta a história?
É o caso do escarcéu armado pela Folha de S.Paulo por ter a Polícia Federal obtido da Justiça a quebra de sigilo de duas linhas telefônicas do jornal, de um total de 169, na apuração do dossiê Vedoin. Os números estavam na memória do celular de um dos acusados de envolvimento no episódio.
Para a Folha e a Associação Nacional de Jornais (que reúne o patronato da imprensa diária), o fato representa uma ameaça ao livre exercício do jornalismo torial, “era fazer uma apuração prévia para saber quais conexões mereciam ser aprofundadas”. Sem isso, o órgão cometeu “uma falha grave de procedimento”.
Até aí, tudo bem – é a apreciação de um contra a apreciação de outro, ambos protagonistas do problema, e o leitor que julgue por si.
O que complica as coisas é o fato de que, por estar uma arara com o ocorrido, a Folha tenha misturado laranjas com bananas. Ao investir contra “o despreparo e o comodismo de policiais que confundem investigação com quebra de sigilos a mancheias”, ela equipara o ato que a alcançou, por “despreparo e comodismo”, a outro do gênero – uma torpeza política e pessoal, como ficou demonstrado.
Trata-se do grampeamento, obtido em 2001 pela secretaria de Segurança da Bahia graças a um juiz complacente, para bisbilhotar conversas em 200 telefones. O “autor intelectual” da vilania foi – para surpresa de ninguém – Antonio Carlos Magalhães. Ele queria descobrir podres de adversários políticos e infernizar a vida, como de fato infernizou, de uma namorada que o deixara e àquela altura já estava casada.
A analogia entre a ação da Polícia Federal, embora polêmica, e a violência carlista é uma aberração sem tamanho.
E fica a pergunta: teria a Folha, em nome dos direitos fundamentais dos cidadãos, como afirma, soltado os cachorros em cima dos policiais que pediram e do juiz que autorizou a quebra do sigilo das 169 linhas, se entre elas não estivessem as duas do jornal?
P.S. Da série “Esqueçam o que leram”.
Tem fundamento zero a notícia no Estado de hoje segundo a qual o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, teria dito que o Brasil poderia denunciar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), a exemplo do que fez a Coréia do Norte antes de produzir a sua bomba.
Intitulada “País pode deixar acordo sobre armas nucleares” e sub-titulada “É possível romper tratado, diz secretário do Itamaraty”, a matéria se baseia numa fala de Guimarães no 4º Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, ontem, no Rio.
Segundo um dos participantes do seminário, absolutamente insuspeito por ter horror ao secretário e às suas posições sobre política externa brasileira, a notícia é absolutamente furada. Guimarães, em resposta a uma pergunta da platéia, admitiu – em tese – que outros signatários do TNP poderão se sentir tentados a imitar a Coréia. Nada disse do Brasil.
Resta saber se o jornal tomará a iniciativa de se retratar amanhã mesmo da barriga que a esta altura talvez já esteja correndo mundo como se verdade fosse.
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