Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Ninguém cresce 35% sozinho’

A Rede Record publica na Folha de hoje anúncio de página inteira agradecendo “o reconhecimento do mercado anunciante e dos governos federal, estadual e municipal (…) que nos fizeram ser a rede mais cresceu em audência e faturamento em 2006”.

O título do anúncio é “Ninguém cresce 35% sozinho”.

Pura verdade.

Na mesma Folha, ontem, o repórter Fernando Rodrigues revelou que a Rede Record foi a única emissora brasileira de TV a faturar mais este ano com “investimentos publicitários estatais federais”.

De janeiro a novembro [últimos dados disponíveis] somaram R$ 61,2 milhões, 12% a mais do que em 2005.

Tirando a Globo, de longe a campeã de faturamento, a Record se aproximou nesse quesito do SBT, a segunda rede nacional em matéria de audiência.

A evolução é curiosa. Em 2003, o governo federal gastou
R$ 59,8 milhões no SBT e R$ 24,8 milhões na Record – diferença de R$ 35 milhões. Neste ano, a vantagem do SBT ficou em R$ 10 milhões.

Terá havido um deslocamento maciço de audiência em favor da Record nesse período? Não: o ibope médio do SBT (recebendo 14,8% das verbas federais) é de 17%; o da Record (12,8% dos recursos) é de 11%.

Pode-se apenas especular por que o governo “recordou”. Fernando Rodrigues sugere uma “coincidência”. Escreveu:

Esse crescimento da emissora ligada à Igreja Universal do Reino de Deus coincidiu com a reestruturação de sua grade de programação, mas também com a saída, em 2005, do jornalista Boris Casoy. À época, a demissão do âncora foi atribuída a pressões do Palácio do Planalto – algo sempre negado pelo governo e pela emissora. De 2003 para cá, houve também uma progressiva aproximação entre o Palácio, a Igreja Universal, o PRB (sigla ligada a essa religião) e a TV Record. No fim de 2005, o vice-presidente José Alencar se filiou ao PRB, coligado ao PT de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição.

Claro que o anúncio de hoje da Record é uma resposta à matéria de ontem. O leitor que tire as suas conclusões.

Aumento [1]

A julgar pelas manchetes de primeira página, sobre o mesmo assunto, Estado e Folha parecem ter apurado fatos opostos.

Do Estado: “Pressão sobre Congresso já ameaça supersalários” e “Presidente da Câmara está cada vez mais só, na decisão de dobrar salário”.

Da Folha: “Cúpula do Congresso ignora pressões e mantém os 91%” e “Apesar dos protestos, Aldo e Renan continuam favoráveis ao aumento”.

Em quem acreditar?

A resposta está no sub-título da matéria interna da Folha:

“Presidentes do Senado e da Câmara só recuarão se protestos aumentarem”.

Se essa é a verdade, devia estar na primeira página da Folha, confirmando a percepção do Estado de que a pressão “já ameaça supersalários’.

Aumento [2]

Mais de um jornal deu no fim da semana, com aspas ou sem, que os salários dos congressistas brasileiros são os maiores do mundo.

É quase isso, mas não é isso. ‘Almost, but not quite’, diria um gringo.

Os repórteres do Valor Humberto Saccomandi e Rodrigo Uchoa se deram o trabalho de ir atrás dos fatos. Descobriram que os parlamentares japoneses e italianos, nessa ordem, ganham dos brasileiros.

Que diferença faz?, perguntará o leitor enfurecido com os nossos políticos.

A diferença é simples: por definição, jornalistas têm o dever de dar informações precisas, mesmo quando a imprecisão não altere a essência do assunto tratado.

Se alguém parar um leitor na rua para perguntar as horas, tudo bem se ele responder, por exemplo, que são “quase 9”, se o seu relógio estiver marcando 8h57. Mas que diria o internauta se lesse na edição on line de sua publicação preferida que “são mais ou menos 9 horas”?

É por aí.

Aumento [3]

O repórter Juliano Basile, que cobre – muito bem – o Judiciário em Brasília para o Valor, comprou do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, o diagnóstico de que as ações impetradas ontem junto ao Supremo Tribunal Federal contra o aumento dos congressistas tinham alicerces frouxos.

Por isso, o jornal previu hoje que as ações “deverão ser recusadas por erro formal”.

Não foram. Foram acolhidas, pelo menos liminarmente. E por unanimidade.

É o que dá não ir atrás de uma segunda opinião. No caso, até porque o procurador era parte interessada. Ele indicou que poderia recorrer contra o aumento com outra fundamentação, a seu ver a certa.

[Texto acrescentado às 14h15 de 19/12]

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