Se procedem as dúvidas do repórter Guilherme Scarance, do Estado, na matéria “Falta esclarecer pagamentos de 2004 e 2005”, com uma bem-feita linha do tempo baseada na fala e nos documentos apresentados pelo senador Renan Calheiros, há um buraco de pelo menos R$ 200 mil nas relações financeiras do político alagoano com a jornalista Mônica Veloso.
Renan disse ontem que não tinha comprovantes dos pagamentos mensais que lhe teria feito entre janeiro de 2004, quando se constatou a sua gravidez, e novembro de 2005, mês anterior ao do reconhecimento da paternidade da filha nascida em agosto de 2004.
A justificativa de Renan é assombrosa: “Por que ia haver [comprovantes de] depósitos se a relação não era oficial?”
Então, ficamos assim: a uma relação extraconjugal se segue uma relação extracontabilística.
A resposta leva água para o moinho da informação da Veja, não corroborada por documentos ou terceiros – além de quem soprou a história para a revista – de que esses R$ 200 mil foram pagos em dinheiro vivo pelo lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior.
A acusação que pende sobre o senador é a de que o dinheiro era da empreiteira, onde todo mês um envelope esperava por Mônica.
Mas pode se imaginar também que o dinheiro vinha de eventuais “recursos não contabilizados”, na imortal expressão do tesoureiro petista Delúbio Soares, do senador que já foi muita coisa na vida política – por exemplo, membro da tropa de choque de Fernando Collor no Congresso.
De qualquer maneira, há uma zona de sombra na situação toda – e não apenas na do queijo suiço das alegações do senador.
Do ponto de vista político, por um lado, Renan ficou a descoberto, por falta de provas de que ajudou Mônica com dinheiro seu – e limpo.
Os seus colegas de “clube”, como o Senado é conhecido em Brasília, poderiam não cobrir o seu aparente déficit de idoneidade, apontado pela Veja.
Ou poderão cobrir, sim, por solidariedade corporativa, rabo preso ou lo que quieras, como dizem os argentinos. A ver no que dá a representação do PSOL ao Conselho de Ética da casa, que se instala hoje.
Do ponto de vista jornalístico, porém, a sombra é outra. Na ética da profissão, não basta matar a cobra. Tem de mostrar o pau. Nisso é a Veja que está a descoberto.
Como diz, na lata, o senador capixaba Renato Casagrande, do PSB, a reportagem ainda é “muito pouco para se manter uma acusação” de político recebendo dinheiro ilícito de uma empreiteira.
‘A revista é que tem que provar que o dinheiro era da Mendes Júnior e não do próprio Renan.’
Tem. O ônus da prova é de quem acusa – ainda mais quando o acusador é um órgão de imprensa.
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