Está muito quente a chapa da disputa política. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o atual, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estão envolvidos em uma briga acirrada pelos corações e mentes dos governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo), Cláudio Castro (Rio de Janeiro) e Romeu Zema (Minas Gerais). Na abertura do ano legislativo, na última segunda-feira (05/02), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, chutou o pau da barraca e acusou o governo Lula de não cumprir os acordos políticos. A Polícia Federal (PF) segue com a Operação Lesa Pátria, em busca dos financiadores da tentativa de golpe de estado em 8 de janeiro. E a cereja do bolo. Em outubro ocorrem as eleições municipais, que tradicionalmente são as mais disputadas. Fiz esse resumo para um antigo e bem informado analista político de Brasília e perguntei-lhe o seguinte: “Como será o Brasil depois do Carnaval?” Ele ficou surpreso: “O que o Carnaval tem a ver com isso?” Argumentei: “Nas redações dos jornais, desde os tempos que se escrevia as matérias molhando a ponta de uma pena no tinteiro, sabe-se que o ano no Brasil começa só depois do Carnaval. Até lá, ninguém decide nada, no máximo se empurra o problema com a barriga”. Ele me advertiu: “Olha, não é mais assim, corre atrás para saber”.
Falamos durante uma hora e pouco sobre conjuntura política, econômica e outros assuntos. Mas não é sobre isso que vamos conversar. Eu segui a recomendação do meu interlocutor e corri atrás para saber dessa história do ano no Brasil começar só depois do Carnaval. No meu tempo de redação (entrei em 1979), quando um foca (repórter novato, geralmente recém-saído da faculdade) era contratado, era comum inteirá-lo de algumas crenças e expressões que eram introduzidas nas reportagens como se fossem verdades absolutas, mesmo que nunca tivessem sido verificadas e comprovadas. Uma delas era de que o início efetivo do ano no Brasil era empurrado para depois do Carnaval. Deixei a redação em 2014, e o dito continuava sendo publicado. E até nos dias atuais vez ou outra ele aparece nos textos e áudios de comentaristas políticos. Não é o único, há muitos outros. Falei com várias fontes sobre o assunto “início do ano depois do Carnaval”. Foram conversas interessantes. Uma delas lembrou-me que antes da pandemia da Covid, em 2020/21, trabalhar em casa era algo muito esporádico e feito de forma amadora. Com a pandemia fomos obrigados a ficar em casa e montamos estruturas para desempenhar as nossas funções profissionais. As coisas continuaram funcionando graças ao trabalho remoto. Antes da pandemia, os feriadões eram dias de descanso. Tanto para os trabalhadores quanto para os parlamentares que saíam de Brasília e se espalhavam pelo país. Atualmente, isso não acontece mais porque estamos conectados pela internet, via celulares, as 24 horas do dia. E as negociações entre os políticos nunca param. Ainda mais em ano eleitoral.
Quando comecei na profissão só existiam os telefones fixos, que ainda assim eram raros e muito caros. Caso um repórter não tivesse o aparelho em casa, os editores exigiam que ele deixasse o número do telefone de um vizinho. Ou de um ponto de táxi nas proximidades. Inúmeras vezes fui chamado em casa por vizinhos e taxistas. Depois que inventaram o celular acabou a vida pessoal dos jornalistas. Mas não só a deles. Fui lembrado do seguinte por uma fonte especializada em novas tecnologias da comunicação: “Hoje existe a comunidade presencial e a virtual. O fato da pessoa não estar presencialmente no seu ambiente de trabalho não significa que esteja ausente e longe das decisões. Mas se estiver desconectada, está fora do jogo”. Dentro da reportagem me especializei em três assuntos: conflitos agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras. Lembro-me que nas grandes ocupações de fazendas feitas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na década de 80, a polícia militar costumava cercar o acampamento e proibir a entrada de repórteres. Para saber o que estava acontecendo entre os sem-terra era preciso furar o bloqueio fazendo longas caminhadas por dentro do mato. No início da década de 90, quando apareceram os primeiros celulares, tudo mudou. O cerco policial ao acampamento se tornou inútil.
Bons tempos aqueles que os repórteres conseguiam informações inéditas tomando cafezinho com os parlamentares. Hoje é preciso ter o número do celular reservado do político para poder ter acesso a informações de boa qualidade. Está pesado o jogo na disputa política brasileira. Devido a vários fatores, o principal deles a polarização entre Bolsonaro e Lula. Não é uma polarização qualquer. O ex-presidente é uma figura de destaque na rearticulação internacional da extrema direita, que montou uma bem equipada e competente máquina de distribuição de fake news. Bolsonaro foi sentenciado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a oito anos de inelegibilidade. Mas mantém o seu prestígio político graças aos escândalos do seu governo, que garantem a presença do seu nome nas manchetes diárias dos jornais. Arrematando a nossa conversa. As novas tecnologias nos mantêm conectados as 24 horas do dia. Portanto, as negociações e outros acertos acontecem independentemente das datas. Eu afirmei que os ditos populares circulam nas redações como se verdade fossem há muitos anos. Não existe nada de mal em mencioná-los nos nossos textos ou áudios. Desde que o leitor seja avisado de que se trata de um dito popular. A maneira de se redigir uma reportagem é um processo em constante mudança com o objetivo de facilitar a vida do leitor.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.