Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Possíveis significados do retrocesso no teletrabalho

(Imagem: Oleksandr Pidvalnyi por Pixabay)

“Teletrabalho, também dito trabalho remoto, significa, literalmente, trabalho a distância. (…) apesar de o termo ‘casa’ estar presente em muitas das denominações, o trabalho efetivo pode ser realizado em qualquer ambiente, desde hotéis, táxis, aeroportos, praças etc. Trata-se, portanto, de trabalho que é realizado quando se está a utilizar equipamentos que permitem que o serviço efetivo seja realizado num lugar diferente daquele que sedia a empresa ou o negócio” (fonte: pt.wikipedia.org).

O norte-americano Alvin Toffler, entre os anos 70 e 90 do século passado, previu o surgimento de uma sociedade totalmente informatizada. Um ponto especialmente relevante foi a antecipação do cenário em que as pessoas trabalhariam quase que completamente em suas casas. A recente pandemia do coronavírus acelerou fortemente, no âmbito das organizações públicas e privadas, o processo antevisto por Toffler.

Superada a pandemia de covid-19, o teletrabalho amplamente disseminado ganhou ares de definitividade. As vantagens experimentadas superaram, com folga, as desvantagens próprias dessa modalidade de desenvolvimento de atividades laborais.

A redução de custos é o aspecto positivo mais evidente do teletrabalho. O empregador, público ou privado, diminui espaço físico, mobiliário, equipamentos de informática, despesas diversas de manutenção, entre outros. O trabalhador também experimenta uma redução de despesas, notadamente com locomoção, vestuário e até alimentação (em estabelecimentos comerciais).

Os impactos positivos do teletrabalho vão além da diminuição de gastos, despesas ou custos. Uma quantidade considerável de pesquisas e análises identifica um considerável ganho de produtividade associado ao teletrabalho. Tudo indica que a flexibilidade de horários e a decorrente organização do tempo da forma mais apropriada para equilibrar a vida privada e os afazeres laborais libera as melhores energias criativas e os mais desejáveis padrões de eficiência.

Destacam-se as descobertas da pesquisa federal de Vida no Trabalho (EUA). Entre os servidores federais que trabalham remotamente, 72% afirmaram que o trabalho remoto melhorou suas performances e 64% registraram a ajuda decisiva na maximização de suas produtividades (fonte: institutopublix.com.br).

Dados apresentados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2016, indicam que: a) na percepção geral dos gestores e servidores, a produtividade aumentou em mais de 70% e b) mais de 75% dos gestores pretendem continuar autorizando o trabalho remoto. Na percepção dos gestores, os principais benefícios têm sido: a) 46% – motivação dos servidores; b) 25% – aumento de produtividade; c) 10% – realização de trabalhos “difíceis” e d) 6% – redução de conflitos (fonte: institutopublix.com.br).

Certas desvantagens, como um maior afastamento das equipes de trabalho e dificuldades com o desenvolvimento da cultura organizacional, são reconhecidas como secundárias e sem densidade suficiente para comprometer significativamente os consideráveis ganhos emergentes da adoção do teletrabalho.

Nessa linha, o projeto “O Admirável Mundo do Teletrabalho no Setor Público”, do LA-BORAgov!, é um exemplo dos mais emblemáticos do sucesso do teletrabalho total ou parcial no serviço público federal. Trata-se de uma série de vídeos com dicas e práticas experimentadas, baseadas em evidências, voltadas para melhorar o desempenho no teletrabalho com foco em pessoas e orientação a resultados. “O LA-BORA! gov é o laboratório de gestão inovadora no Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Seu propósito é apoiar e inspirar pessoas e órgãos a inovar e melhorar a experiência das servidoras e servidores para gerar valor público” (fonte: gov.br/servidor/pt-br/assuntos/laboragov).

A Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), que “tem como missão formar e desenvolver agentes públicos capazes de inovar, alcançar resultados e servir à sociedade”, oferece uma série de cursos voltados para a gestão do teletrabalho. A ENAP reconhece expressamente que o “… teletrabalho é uma realidade cada vez mais presente no dia a dia. Por isso, estar atento às ferramentas que podem aumentar a produtividade e diminuir cargas desnecessárias de trabalho é essencial” (fonte: enap.gov.br).

Assim, quando um importante segmento da Administração Pública disciplina o teletrabalho no sentido de restringir consideravelmente seu raio de ação deve ser reconhecido que algo está errado. Afinal, um movimento dessa natureza caminha em rumo diverso daquele adotado no serviço público e nas organizações privadas em escala mundial.

Recentemente, a Advocacia-Geral da União (AGU) protagonizou um movimento de limitação considerável do teletrabalho então em curso no âmbito da organização, considerado o “maior escritório de advocacia” do Brasil. “Nas equipes de consultoria e assessoramento jurídico, a portaria 125 prevê o percentual máximo de teletrabalho de 20% dos membros de cada unidade. Nas demais áreas, esse limite sobe para 40%” (fonte: jota.info).

Diante do que foi observado, é preciso buscar qual o equívoco (ou quais os erros) que motivaram a decisão da AGU consubstanciada na Portaria nº 125, de 30 de janeiro de 2024. Esse esforço, obviamente, permite extrapolar a avaliação para movimentos semelhantes em outras searas das administrações pública e privada.

Uma das primeiras cogitações é de erro na implantação do teletrabalho em atividades incompatíveis com essa modalidade de trabalho. Atividades laborais com forte necessidade de presença física em locais determinados não estão vocacionadas para o teletrabalho. Não parece ser esse o caso da AGU. Afinal, os advogados públicos, nas atuações contenciosas e consultivas, desenvolvem atividades quase que completamente aderentes aos modernos meios eletrônicos. Em recente texto, Josir Alves de Oliveira afirmou: “Quando não há a necessidade presencial, a exemplo de análises processuais, estudos e pesquisas, elaboração de relatórios e pareceres, acompanhamento de ações, programas e projetos etc. via sistemas e recursos computacionais, o serviço pode e deve ser realizado de forma remota” (fonte: conjur.com.br).

Outra possibilidade a ser considerada diz respeito a erros nas definições de rotinas e metas. Com efeito, o teletrabalhador precisa estar disponível para as várias interações eletrônicas, em especial via correio eletrônico, aplicativos de mensagens instantâneas, videoconferências e telefone. A realização e periodicidade de reuniões virtuais precisam ser definidas com cuidado. Também devem ser estabelecidos, com propriedade, as atividades que reclamam presença física, notadamente nas hipóteses de teletrabalho parcial. A razoabilidade e exequibilidade de metas a serem alcançadas devem ser ponderadas com cuidado. No caso da AGU não há indicativos de problemas maiores nessa seara.

Também devem ser considerados erros de gestão de problemas pontuais. Os desajustes específicos de cumprimento das obrigações e disponibilidade para interações devem ser tratados como problemas que reclamam “apertar os parafusos”. As correções de rumos devem ser tratadas com os teletrabalhadores causadores dos entraves e seus respectivos dirigentes. Não se justifica, nem faz o menor sentido, adotar mudanças normativas restritivas de caráter geral para tentar resolver dificuldades minoritárias ou tópicas circunscritas a unidades e servidores claramente identificados. Alguns relatos apontam a incidência desse tipo de problema no âmbito da AGU.

É possível ponderar a existência de certos interesses não explicitados que interferem indevidamente no tratamento do teletrabalho. Retomar o trabalho presencial em níveis mais intensos pode exigir aumento de espaços físicos e a consequente locação ou aquisição de prédios. Por outro lado, a dinâmica das atividades presenciais acentua o exercício de posições de poder e controle. No caso da AGU, esses são aspectos a serem pesquisados com cuidado para afastamento ou efetiva consideração.

O teletrabalho chegou para ficar nos setores público e privado. Nesse contexto, é preciso uma demonstração adequada da necessidade legítima de restringir o raio de ação do trabalho fora das dependências físicas do empregador. Necessidade é a palavra-chave, como critério de razoabilidade das decisões discricionárias do gestor. Existem atividades e circunstâncias laborais em que a presença física é necessária para a eficiência do serviço. Por outro lado, essa mesma eficiência será comprometida se exigida a presença física em ações e situações vocacionadas para o trabalho remoto (falsa necessidade).    

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Aldemario Araujo Castro é advogado, Mestre em Direito e Procurador da Fazenda Nacional