Até mesmo o criminoso mais cruel tende a desabar de depressão ao cumprir pena em um lugar onde permanece 22 horas por dia trancado em uma cela de seis metros quadrados. Em alguns casos, quando pega o RDD [Regime Disciplinar Diferenciado] fica sem sair, inclusive, para ver a luz do sol.
Os três acusados de planejar e mandar executar a vereadora Marielle Franco, assassinada na cidade do Rio de Janeiro, no dia 14 de março de 2018, juntamente com o motorista Anderson Gomes, foram enviados no domingo passado, 25 de março, para a Penitenciária Federal de Brasília (DF).
Na terça-feira, 27 de março, os irmãos Brazão foram transferidos.
Vossa Excelência o deputado federal Chiquinho Brazão (RJ) – expulso por unanimidade do União Brasil – foi para a Penitenciária Federal de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul.
Domingos Brazão, Excelentíssimo Senhor Conselheiro do Egrégio Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, seguiu para a unidade federal de Porto Velho, em Rondônia.
O delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, continua preso na Penitenciária Federal de Brasília.
Vivemos em um Estado Democrático de Direito. Os acusados têm direito à ampla defesa e ao contraditório.
Chiquinho Brazão acordou deputado federal para dormir preso federal. No mesmo domingo, em poucas horas, a vida dele mudou radicalmente.
Marielle e Anderson foram executados de forma bárbara e covarde, sem chance de se defender. Ela com três tiros na cabeça e um no pescoço. Ele com três disparos nas costas.
Ambos tiveram morte instantânea. Serviço de matador profissional.
A Penitenciária Federal de Campo Grande fica a 15 km do centro da cidade, cerca de meia hora de carro até o local. Foi construída exatamente ao lado do aterro sanitário.
As celas têm aproximadamente seis metros quadrados.
O preso não tem acesso a rádio, televisão, relógio e celular. Não existem interruptores ou tomadas no compartimento.
Por controle geral interno, as luzes são acesas no fim da tarde e apagadas pontualmente às 22 horas.
Cada cela é individual.
O silêncio sepulcral é a única companhia na maior parte do tempo.
Os detentos que não cumprem RDD têm direito a duas horas de banho de sol por dia.
As portas são chapadas e de aço maciço, de onde não é possível ver nada lá fora. Não existem grades ou janelas, apenas ventilação.
É um mundo à parte. A água do banho vem de um cano embutido no teto. É liberada em horário fixo. Não existem registros para abrir ou ajustar a temperatura no lavatório. Na cela o preso tem ainda uma cama, assento, mesa, banco, pia e um vaso sanitário.
Livros e revistas são limitados, entregues somente após vistoria dos agentes. O custodiado não tem acesso aos meios de comunicação externos.
Ninguém entra em um presídio federal sem passar por detectores de metais. As regras valem para presos, servidores, juízes, advogados e visitantes.
O detento se comunica com familiares, amigos e advogados somente no parlatório, onde há vidro blindado, ou por videoconferência.
As visitas de advogados são permitidas em dias úteis, das 8h às 17h, mediante agendamento prévio. A visitação é gravada via parlatório ou gravada em ambiente virtual.
As visitas sociais na modalidade presencial acontecem de segunda-feira a quinta-feira pela manhã com duração de três horas. A visitação é gravada no parlatório.
Os visitantes precisam preencher um cadastro detalhado para ter acesso às unidades federais. Os dados fornecidos são checados pelos servidores.
As visitas sociais na modalidade virtual ocorrem na sexta-feira pela manhã com duração de trinta minutos. Neste caso, os presos que não recebem visita presencial possuem prioridade.
O presídio é policiado por agentes concursados e recorrentemente treinados pelo Sistema Penitenciário Federal (SPF).
A rotina ocorre sob protocolos e normas rígidas.
Os presos recebem atendimento médico, odontológico, farmacêutico e psicológico, se necessários. Quando aplicáveis, têm direito a atividades laborais e educacionais.
Não é permitida a entrada de qualquer material na prisão levado por terceiros. Refeições, lanches, pasta de dente, produtos de higiene e limpeza, tudo é fornecido pelo sistema.
O encarcerado recebe seis refeições por dia, devidamente balanceadas. Café e lanche da manhã; almoço e lanche da tarde; janta e ceia antes de dormir. Todas na cela.
O preso é revistado sempre que deixa seu dormitório, assim como a cela todas as vezes que ele se retira. O lixo que produz também.
Ele permanece algemado quando em deslocamento pelo estabelecimento. Os procedimentos, bem como os deslocamentos, são realizados por, pelo menos, dois agentes. As algemas são retiradas apenas durante o banho de sol e quando o preso está na cela.
Entre os detentos de alta periculosidade, estiveram na Penitenciária Federal de Campo Grande narcotraficantes nacionais e internacionais, assaltantes de bancos, latrocidas, chefes de facções criminosas, bicheiros, líderes de rebeliões em presídios estaduais e até um suspeito de colaboração com o Hezbollah. O lugar não é para amadores.
Os procedimentos e toda a rotina da cadeia são monitorados por circuito interno de câmeras.
As penitenciárias federais foram projetadas para isolar as lideranças criminosas e os presos de alta periculosidade com o mundo externo.
Agentes de inteligência da Penitenciária Federal monitoram o circuito de câmeras. As imagens capturadas são transmitidas ao vivo para a sede da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), em Brasília, onde outra equipe de inteligência também acompanha a rotina das cinco cadeias.
A essas alturas você deve estar se perguntando. “Mas se é assim, como dois integrantes de uma das maiores facções criminosas do Brasil conseguiram fugir, ao mesmo tempo, de celas diferentes da Penitenciária Federal de Mossoró?”
Esta é a pergunta que o Governo Federal tem obrigação de responder publicamente à sociedade brasileira, após rigorosa investigação interna.
A fuga aconteceu no dia 14 de fevereiro passado. Entrou para a história como a primeira registrada no Sistema Penitenciário Federal (SPF), que abrange cinco unidades espalhadas pelo país, localizadas em Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Mossoró (RN), Porto Velho (RO) e Brasília (DF). Todas têm 208 celas.
O episódio de Mossoró não pode desmoralizar um sistema prisional de primeiro mundo, com este nível de rigidez e organização. Por enquanto, não se tem notícias dos fugitivos e, muito menos, como conseguiram escapar.
***
Paulo Renato Coelho Netto é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O GLOBO, VICE Brasil e Observatório da Imprensa. Foi repórter no jornal econômico Gazeta Mercantil e no Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais, “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”.