Não sou fã de Jean-Paul Sartre. O filósofo francês sempre privilegiou a História como ciência, negligenciando a Geografia. Mas ele dizia que ‘o inferno são os outros’ e essa frase se encaixa como uma luva em relação ao debate sobre as cotas raciais em universidades.
Durante toda a semana passada muito se falou, mas pouco se refletiu, sobre as cotas para negros em universidades públicas. A discussão ficou restrita ao passado, mas a um passado subjetivo. Se os negros foram molestados ou mantinham relações consensuais com os colonizadores não sei dizer – talvez ambos, mas isso é perfumaria. Refletir o passado para não cometer os mesmos erros no presente é o clichê da história que ambos os lados parecem ter se esquecido.
Engraçado, mas o racista sempre é o outro. Há opiniões enfadonhas para não dizer patéticas sobre a escravidão no Brasil. Os radicais do movimento negro chegam a refutar gênios acadêmicos como Gilberto Freire e Joaquim Nabuco, pelo que ambos publicaram sobre a relação entre colonizado e colonizador, mesmo sabendo que o que foi dito é verdadeiro.
Já outros defensores da ‘tradicional elite branca do país’ dizem que as cotas raciais irão fomentar os conflitos étnicos, que há muito tempo não ocorrem no país.
A luz e o túnel
A democracia é uma benção. Ela permite que opiniões e pontos de vista sejam explicitados, mesmo que as pessoas que o fazem não tenham a mínima idéia do que estão dizendo.
Sabemos que o racismo é o principal ídolo do nacionalismo e tem suas raízes lá no historicamente distante Paleolítico. Hoje, é o principal combustível das teorias da conspiração e das teses reacionárias.
Mas, ao criar cotas raciais na universidade, estamos estabelecendo uma política racista e discriminatória. Os ‘especialistas’ dizem que é uma discriminação positiva. Mas, então, temos um paradoxo. Se é uma discriminação, como pode ser positiva?
Por outro lado, é claro que os pobres (em especial os negros pobres) têm uma participação muito menor nas universidades públicas e que isso deve ser combatido. É um assunto complexo demais para ser tratado com maniqueísmo ou como uma briga entre ‘raças’. Se realmente quisermos discutir e criar políticas públicas afirmativas, sejam elas quais forem, devemos primeiramente olhar para nós mesmos. Devemos reavaliar nossos racismos e nossas visões de mundo. Nossos preconceitos e evitar nossas discriminações.
Se este país quer ser levado a sério, deve aprender a analisar o seu passado, mas com um prisma voltado para o presente – ou seja, discutir aquilo que for realmente importante para evitar que os erros sejam repetidos. Como na canção Amazing, do Aerosmith, ‘talvez a luz no fim do túnel seja você’
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Geógrafo, Contagem, MG