Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pega na mentira

Se as revistas semanais estão concorrendo num concurso de mentiras, gostaria de entregar o prêmio ‘Mentiras por Parágrafo’ a esta edição da revista Época (22/8).

Uma informação falsa, por menor que seja, faz desconfiar de todo o resto das informações que a revista traz (menos a data). E o que li foi uma peça de ficção completa. Eis o trecho, e comentários a seguir.

‘Sem qualquer cuidado, um grupo de políticos costumava freqüentar manjados inferninhos da capital. Um bar localizado na Quadra 402 da Asa Norte era um desses pontos de encontro. Deputados federais e ministros se reuniam ali nas quartas e quintas-feiras para apreciar um exótico tira-gosto: o guisado de pescoço de peru. Entre um e outro uísque também solicitavam a famosa codorna do boteco. Na maioria das vezes, varavam a madrugada acompanhados de mulheres bem mais novas e até de seguranças. ‘Eles pegavam uma mesa no fundo, com as garotas. Sentavam no colo e tudo’, conta um garçom do bar. O PT era o partido mais assíduo.

O último figurão a ser visto no local foi um ministro que chegou acompanhado por uma jovem com idade para ser sua filha, como recorda o funcionário do estabelecimento. ‘Eu disse para ele: quer mais uma cerveja, ministro? Ele ficou espantado e respondeu: quem disse que sou ministro? Aí eu falei que tinha visto a cara dele na televisão’, conta o garçom. Depois do diálogo, o ministro petista fez sinal de silêncio e pediu discrição.’

O bar do texto é o Mané das Codornas, que freqüento desde que cheguei aqui, um ano e meio atrás. Tirando o endereço e a porção de pescoço de peru – que é bem mais ou menos –, duvido de todo o resto.

Primeiro, dizer que ali é um manjado inferninho da capital é um baita elogio ao Mané das Codornas. O bar fica numa esquina (pois é, Brasília tem esquina), as mesas ficam na calçada e não tem lugar dentro, só o balcão – de onde saem os pescoços. De infernal, só o atendimento dos garçons, que é bem típico de Brasília. Imagine um boteco numa esquina, com mesas e cadeiras de plástico, onde uns meio-bêbados e turmas pequenas que saem do trabalho vão de vez em quando. É isso.

O garçom e a PM

O texto diz que ali se reuniam deputados e ministros para tomar uísque. Se nem eu, que não tenho salário de deputado, não tenho coragem de tomar o uísque do Mané, duvido que alguém tenha. Além disso, é impossível ‘varar a madrugada’ no boteco. Não porque seja ruim, mas porque quase todos os bares de Brasília – inclusive o Mané – fecham à uma da manhã. Aliás, quando passa da meia-noite, eles começam a recolher mesas, garrafas, cadeiras e copos, e só falta mesmo jogar água no pé. Quando chega 0h45, soltam a conta na mesa, sem negociação. Só se os deputados se escondiam no banheiro.

Ah, outra: não tem ‘mesa no fundo’. Não tem fundo. Com as cadeiras todas na calçada, numa esquina, de fato, um ministro tem que ser muito mané para ir ali com garotas ‘muito mais novas, que sentavam no colo’. Bom, talvez daí a preferência pelo Mané das Codornas. Mas duvido.

Olha, de todas as vezes que fui no Mané, nunca vi ministro, senador ou deputado. Ok, não conheço a cara de todos, mas costumo ir lá com amigos que conhecem quase todo mundo – são jornalistas.

Todo o trecho está baseado numa entrevista com um garçom que não se identificou. Quem lê e não conhece o Mané das Codornas pode até pensar que é uma espécie de boteco da Augusta ou algo assim, mas o pior é que não é. Chega a ser quase um boteco ‘família’ (e você não deixaria sua família ir a um boteco com garotas de programas ou políticos, deixaria?). Imagino que o garçom não se tenha identificado pelo mesmo motivo dos policiais militares de São Paulo, que quando reprimem manifestantes andam sem identificação. Sabem que vão fazer besteira.

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Jornalista