Escrevendo no Estado deste domingo, 1, a colunista Dora Kramer sai em defesa do destaque com que a imprensa acompanha as eleições para presidente da Câmara e do Senado, amanhã.
Não é perda de tempo, contesta ela, nem “fruto da autorreferência dos frequentadores da ‘ilha da fantasia’, como se convencionou denominar Brasília”.
”Nesses momentos”, argumenta, “a maneira como se movimentam suas excelências, os interesses em torno dos quais fazem os seus jogos individuais e partidários […] traçam um perfil da conduta dos representantes […] que seria aconselhável examinar.”
”Tendemos” – os jornalistas? a opinião pública? – “a qualificar as coisas da política brasileira como assunto de segunda linha, sem interesse para o dito ‘cidadão comum’.”
Em teoria, de acordo: interessam – e como! Mas na prática a teoria é outra.
Na prática, o espaço concedido pela mídia às ambições e interesses em confronto na disputa pelo comando das duas casas do Congresso, pela sua estonteante superficialidade, raramente permite ao leitor examinar o que seria aconselhável, para usar as palavras da colunista.
Perguntar não ofende: que será que o leitor das páginas políticas ficou sabendo – que ainda não sabia, ou presumia – dos chamados atores políticos, a partir dos relatos sobre a sua conduta no processo eleitoral do Legislativo?
Que o senador José Sarney continua a ir fundo no desrespeito pela inteligência alheia ao invocar a crise econômica como razão para se lançar candidato, depois de ter jurado de mãos postas que estava fora dessa?
Ou que o PSDB se refestela igualmente na mais deslavada hipocrisia ao justificar por afinidades programáticas a sua adesão ao candidato petista no Senado, Tião Viana? Isso quando até os mortos sabem que não fechou com Sarney porque não extraiu dele os cargos que queria na direção da casa.
Mas isso ainda é varejo.
A principal falha da noticiário, decerto, é a ligeireza com que avisa todo santo dia o leitor que o resultado da eleição parlamentar é essencial para os rumos da sucessão de Lula – mas não se dá ao trabalho de ligar os múltiplos pontos do tabuleiro político para explicar em detalhe por quê.
É assim porque sim, parece que a mídia decreta, antes de virar a página.
É tão mais cômodo decretar que os nexos entre as duas coisas – as eleições de amanhã e a de 2010 – são tão óbvios que dispensam “maiores informações”, no caso, as mediações, as conexões de sentido de que falam os acadêmicos
Leia-se, por exemplo, o que passa por ponte entre uma coisa e outra no seguinte trecho de uma matéria da Folha de hoje:
‘A eleição coloca em jogo muito mais que a disputa por um orçamento bilionário e o controle de 21,3 mil funcionários. Ao ditar o ritmo de votações e discussões da Câmara e do Senado, os comandantes das duas Casas podem interferir na eleição presidencial de 2010. Se as matérias de interesse do governo forem colocadas em pauta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá mais facilidade de emplacar seu sucessor. Por outro lado, se as propostas não andarem, a oposição ganha força e argumentos para endurecer o discurso de que é necessário mudar, avaliam petistas e tucanos.
É a apoteose do esquematismo.
Além disso, dirá o jornalista político, está mesmo na cara. O PMDB é a “noiva cobiçada” pelos dois eventuais presidenciáveis, Dilma Rousseff e José Serra. E o rumo que o partido-ônibus tomar no ano que vem depende de como se sair na eleição congressual. Logo…
Pedindo desculpas pela obtusidade, logo o que?
Roga-se aos leitores que conheçam a resposta que a compartilhem com este blogueiro sinceramente incapaz de encontrá-la nos jornais, muito menos deduzí-la das platitudes que neles encontra com monótona frequência.