Do presidente Lula, ontem, segundo o Globo: “A tradição entre PT e PC do B é histórica, uma relação de 30 anos que não entrará em crise por causa de uma disputa. O que está em jogo não é a sobrevivência de um partido político ou de uma pessoa, mas o destino do país”. |
Não é bem assim.
Primeiro, o PT, tanto quanto se saiba, ainda não tem 30 anos de existência. A não ser que o presidente se refira a alguma experiência de trabalho conjunto no tempo em que ele era presidente de sindicato, mas não engajado em partido político. Nesse caso, o PT se reduziria a ele mesmo, Lula, o que está longe de ser o caso, e cada vez menos.
Segundo, em muitos episódios os dois partidos ficaram em posições opostas, até antagônicas. Foi o caso da participação ou não no Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves e encerrou o capítulo da ditadura militar. O PT era contra. O PC do B, abrigado no PMDB, era a favor. Os conflitos podiam chegar muito perto da pancadaria, como se vê em cena do filme Muda Brasil, de Oswaldo Caldeira, lançado nos cinemas em março de 1985 e em DVD em 2004.
A cena se passa no Congresso Nacional.
16/10/1984
José Genoíno:
– Pela bancada do PT, oito deputados, e mais vários deputados, companheiros deputados do PMDB e do PDT…
Presidente da sessão:
– Nos termos do artigo 176, parágrafo terceiro, do Regimento Interno, a Mesa submeterá ao plenário a confirmação ou não da verificação requerida pela liderança do PT, na medida em que o partido não conta com mais de oito deputados dentro do plenário. Assim, aqueles que estejam favoráveis…
Uma voz:
– Senhor presidente…
Narrador (José de Abreu, texto meu – não de agora, de 1985):
– A Câmara vota a regulamentação do Colégio Eleitoral. A oposição temia tentativas de manobras destinadas a embaraçar a eleição presidencial. Os malufistas queriam manter o suspense pelo maior tempo possível. A obstrução feita pelo PDS malufista foi utilizada pelo PT para denunciar a natureza do Colégio, pouco lhe importando saber como iria funcionar na hora H. Mas a regulamentação foi aprovada na Câmara nesse mesmo dia.
Presidente da sessão:
– … pelo sistema eletrônico… votação.
Haroldo Lima:
– Uma questão de ordem, senhor presidente. Eu queria saber da Mesa se é possível…
Presidente da sessão:
– Para questão de ordem, tem Vossa Excelência a palavra.
Haroldo Lima (PMDB-BA):
– Um esclarecimento. Se os malufistas votando com o PT, se essa votação se conta como…
José Genoíno:
– Senhor presidente, uma questão de ordem. Repudiamos a provocação do PMDB com relação à posição do Partido dos Trabalhadores!
Estabelece-se uma gritaria no plenário. O deputado Djalma Bom avança para agredir Haroldo Lima
Presidente da sessão:
– A Mesa se recusa a aceitar…
Segue a gritaria. Entram em cena os apartadores de brigas. Freitas Nobre contém Haroldo Lima.
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Onde andarão eles?
Djalma Bom é citado em reportagem do Globo de 24 de setembro de 2006:
“Para Djalma Bom, o fiel escudeiro de Lula nas greves do ABC, alguns dos ex-sindicalistas que hoje orbitam em torno do presidente só pensam nos próprios interesses:
— Infelizmente, a lógica do holerite (contracheque) acaba prevalecendo. Essas pessoas se deslumbraram com as facilidades e mordomias do poder, acham que são os maiores de todos, que podem fazer o que bem entenderem e usam de todas as artimanhas para se manter. O governo está cheio de puxa-sacos”.
Haroldo Lima está de bem com o PT, ou, ao menos, com o presidente Lula. Ele é diretor geral da Agência Nacional de Petróleo.
Na biografia dele há o seguinte trecho, que inclui o período mencionado:
“Passou 10 anos na clandestinidade, organizando a resistência política ao regime, viajando por todo o Brasil. Foi preso em 1976, no episódio conhecido como a Chacina da Lapa, quando uma reunião do Comitê Central do PC do B foi brutalmente atacada pela repressão, o que resultou na morte de três dirigentes do Partido e na prisão de outros cinco, incluindo Haroldo Lima. Ficou quase três anos na cadeia.
Anistiado, quando foi instituído o bipartidarismo, Haroldo Lima se candidata e foi eleito deputado federal pelo PMDB em 1982, assumindo em seguida a Vice-liderança do PMDB na Câmara. Reeleito quatro vezes, cumpriu cinco mandatos consecutivos como deputado federal.
Em 1984, incorporou-se à campanha das Diretas Já, voltando a percorrer o Brasil, agora como parlamentar, em companhia de líderes como Ulisses Guimarães, Tancredo Neves e João Amazonas, este, presidente de seu partido. Derrotada a campanha das Diretas, defende a necessidade de ir ao Colégio Eleitoral para lá derrotar o regime e acabar com o Colégio, o que aconteceu, com a eleição de Tancredo à Presidente da República.
Redemocratizado o país, o PC do B sai da clandestinidade após 38 anos, e Haroldo Lima torna-se Líder do partido na Câmara dos Deputados, função que exerceu, alternadamente, por onze anos”.
Veja adiante uma seqüência de fotos da sessão da Câmara, tirada do DVD Muda Brasil. Vale a pena ver o filme, mesmo que algumas passagens hoje tenham ficado um tanto obscuras. Vale mesmo a pena.
Pretendo comentar outras cenas do filme, que basicamente acompanha o trabalho da imprensa na campanha de Tancredo Neves.
Por exemplo: a foto abaixo documenta a denúncia do então deputado federal pelo PDT Mário Juruna (o ex-cacique xavante morreu em 2002) sobre tentativa de compra de seu voto no Colégio Eleitoral por Calim Eid (falecido em 1999), então assessor principal de Maluf. Como se constata, foto de pilhas de dinheiro não é novidade na imprensa brasileira. Mas o contexto era muito diferente da foto do dinheiro do ‘Dossiê Vedoin’ – cuja origem, por sinal, até hoje não foi identificada. No filme há também uma denúncia feita por Alceni Guerra, então deputado federal, depois ministro da Saúde de Fernando Collor, depois prefeito de Pato Branco, agora novamente deputado federal, eleito pelo PFL do Paraná.
[Nota: O nome de Djalma Bom foi grafado erradamente no filme. Legendas minhas.]