O que está se passando pela cabeça do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, 74 anos? No início de abril, os israelenses atacaram o consulado do Irã em Damasco, capital da Síria, matando importantes líderes iranianos. No sábado à noite veio o troco. O Irã atacou Israel com mais de 300 mísseis e drones. O estrago não foi devastador porque, além da defesa antiaérea israelense, conhecido como Domo de Ferro, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha acionaram os seus sistemas de proteção e explodiram a maioria dos mísseis e drones antes que chegassem ao território israelense. Ali Khamenei, líder supremo do Irã, prometeu que essa história ainda não acabou. Ele advertiu os Estados Unidos para ficarem fora da briga por se tratar de um assunto entre iranianos e israelenses. Se Israel retaliar o Irã por causa do ataque de sábado, pode dar início a uma guerra que irá envolver todo o Oriente Médio. O que significará o aumento do preço do barril de petróleo e, por consequência, da gasolina nas bombas. Se isso acontecer, pode comprometer a reeleição do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (democrata), que concorre contra o ex-presidente Donald Trump (republicano), um político ligado à extrema direita americana. E é justamente a extrema direita de Israel que mantém Netanyahu no poder.
Este é o cenário político da região, uma das mais conturbadas do mundo. Americanos e britânicos já andavam insatisfeitos com a maneira como o primeiro-ministro israelense está conduzindo a guerra contra o Hamas, na qual pelo menos 33 mil civis palestinos foram mortos. Como disse o presidente Biden, o ataque do Irã ao território israelense colocou a morte dos civis palestinos no pé da página dos jornais. Todo esse caso começou em 7 de outubro de 2023, quando terroristas do Hamas invadiram o sul de Israel, mataram centenas de pessoas e fizeram 240 reféns. Desse episódio ficou uma pergunta. Como as Forças de Defesa de Israel, uma das bem equipadas e treinadas do mudo, se deixaram surpreender pelos terroristas, que articularam tudo do outro lado do muro que separa o território israelense da Faixa de Gaza? Não é segredo, por estar em todos os jornais, que na época Netanyahu enfrentava manifestações contrárias à sua administração depois de propor uma polêmica reforma do judiciário. Não me lembro de alguém ter contestado o direito de Israel de punir o Hamas. A questão não é essa. Mas o que o primeiro-ministro e seus auxiliares da extrema direita estão pensando. Acreditam que, apostando no aumento da escalada dos conflitos na região, desviarão a atenção dos americanos para a questão dos civis palestinos? Biden é um político velho e experiente. Sabe que o preço da gasolina na bomba e a questão dos palestinos são muito importantes para a sua reeleição. Portanto, dificilmente cairá na conversa fiada da extrema direita israelense.
Há uma questão que a extrema direita israelense ainda não entendeu. Com as novas tecnologias de comunicação, principalmente com a popularização do celular, é possível a um jornalista, ou qualquer outra pessoa, colocar nas redes sociais ao vivo os acontecimentos no campo de batalha. Acabou o tempo em que a Palestina era fechada para a presença dos repórteres. Hoje, tudo que lá acontece dá a volta ao mundo em poucos minutos. E o que está acontecendo é uma afronta aos direitos humanos, como têm afirmado especialistas e líderes políticos. Vejam bem. Uma década atrás, o dia a dia das tropas israelenses na Palestina não circulava pelo mundo. Hoje, circula. O ataque dos mísseis e drones do Irã ao território de Israel foi transmitido para o mundo online. Em fevereiro de 2022, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, 71 anos, mandou suas tropas invadirem a Ucrânia, que é presidida pelo humorista Volodymyr Zeleski, 46 anos, um homem de comunicação. Com as redes sociais, Zeleski mobilizou a maioria dos países europeus e os Estados Unidos a seu favor. O que era para ser um passeio para as tropas de Putin se tornou um pesadelo e um atoleiro. Qualquer coisa que se diga sobre o futuro do confronto entre Israel e Irã é chute. Ninguém sabe para que lado irá esse conflito. A única coisa certa é a grande preocupação dos americanos com o que pode acontecer, como, por exemplo, uma escalada de atos terroristas. O que acabaria impactado vários países. Nos jornais do mundo, em especial nos sul-americanos, essa questão é tratada de maneira fria, sem maiores bastidores. O que prejudica o entendimento do leitor sobre os acontecimentos. Geralmente publicamos textos das agências de notícia. Sem maiores explicações. Atiramos na cara do leitor um monte de nomes de movimentos terroristas como se eles tivessem brotado do nada. Houve um tempo nas redações dos jornais brasileiros que a cobertura internacional era melhor tratada do que atualmente.
Esses conflitos não são um jogo de futebol, como faz parecer a cobertura dos jornais sul-americanos. Lembro que o ataque com drones e mísseis contra Israel foi transmitido por emissoras de rádio como se estivessem relatando um jogo. Nada contra o futebol. Mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Tenho pregado nas palestras que faço nas redações dos jornais e nas faculdades de jornalismo pelo interior do Brasil que é preciso resgatar as editorias de assuntos internacionais que hoje estão abandonadas à própria sorte. Não gosto de saudosismo. Mas na década de 70 se encontrava nas redações jornalistas especializados na cobertura internacional, especialmente envolvendo os países produtores de petróleo. Certa vez escrevi uma reportagem explicando como o primeiro tiro disparado na região do petróleo fez subir o preço da gasolina nas bombas dos postos de Porto Alegre (RS). Não é segredo para nenhum jornalista que existe uma rearticulação da extrema direita no mundo. Precisamos começar a entender melhor como essa rearticulação vem acontecendo. Como disse um colega: “Tem muito lobo vestido de pele de cordeiro por aí”. Para arrematar a nossa conversa. É fundamental nos dias atuais entendermos o que está acontecendo nos países do Oriente Médio. Porque tudo que acontece lá impacta na nossa vida. O rolo que está acontecendo atualmente é grande demais para ser varrido para baixo do tapete.
Texto publicado originalmente em “Histórias Mal Contadas”
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Carlos Wagner repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.