Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A regulamentação focada no que dói no bolso das redes sociais

(Foto Pixabay)

A maneira mais fácil e eficiente de regulamentar as grandes redes sociais é explorar a parte mais dolorida no funcionamento das plataformas digitais: as finanças. Enquanto o debate estiver centrado em questões como censura, liberdade de expressão, direitos autorais e desinformação, é pouco provável que haja avanço rápido e significativo porque os argumentos tendem a ser abstratos e subjetivos.

Uma argumentação baseada em números objetivos é mais facilmente compreensível pela maioria dos brasileiros e torna possível a participação das pessoas no debate sobre a regulamentação das redes sociais. Esta participação é fundamental para que a opinião pública fiscalize o funcionamento das empresas digitais que prestam serviços de busca de informações e de troca de mensagens entre usuários da internet.

A cobrança de taxas sobre o faturamento publicitário das redes, além de se basear em números contábeis, é plenamente justificável dada a natureza do negócio destas mesmas redes. Elas faturam bilhões por meio da comercialização dos dados deixados gratuitamente nas redes pelos 128 milhões de usuários espalhados pelo Brasil (cerca de 97% do total nacional).

Tudo o que postamos na internet, seja através de mensagens, conversas virtuais, buscas, vídeos, fotografias, ilustrações e documentos, entra nos bancos de dados das chamadas Big Techs da comunicação digital (Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp; Alphabet, dona do Google e do Youtube; ByteDance, chinesa, dona do TikTok; e X, ex-Twitter). Elas organizam, recombinam e analisam o material coletado sem qualquer forma de remuneração usando-o para produzir anúncios e estratégias publicitárias vendidas a preços altíssimos por empresas interessadas em visibilidade pública.

As redes alegam que compensam a ausência de pagamento pelos dados deixados por seus usuários dando em troca serviços gratuitos como buscas na internet e acesso a plataformas digitais que viabilizam a troca de mensagens em texto, imagens ou sons. Só que é uma compensação profundamente desigual porque os valores pagos pelas redes para a manutenção e ampliação dos sistemas de buscas e interação entre usuários é muitas vezes inferior ao que elas arrecadam com a venda de publicidade, seja comercializando espaços para anúncios, seja cobrando por indicações sobre onde, quando e como obter mais visibilidade online.

Só o conglomerado Meta, que opera as redes sociais Facebook e Instagram, registrou um lucro líquido no Brasil em 2022 estimado em R$ 120,64 bilhões, país onde a empresa tem 223 milhões de usuários ativos (113 milhões no Instagram e 109 no Facebook). Já o YouTube, teve no quarto trimestre de 2021 (último dado disponível) um faturamento publicitário nacional de R$ 487,7 milhões por dia.

Quem teria acesso ao dinheiro das taxas

Países como Austrália e Canadá já implantaram taxas sobre o faturamento do Facebook e Google tomando como uma compensação sobre a reprodução nas redes de notícias jornalísticas produzidas por grandes jornais e redes de televisão. Esta modalidade de cobrança proporcionou alguns milhares de dólares para um pequeno número de grandes empresas jornalísticas, mas preservou um desequilíbrio básico na relação entra as partes.

Conglomerados como o News Corporation, o maior da Austrália, continuaram dependendo das redes para acessar o grande público, enquanto as Big Techs não dependem da imprensa para atrair usuários usando material jornalístico. Tanto que em março deste ano, a rede Facebook anunciou a suspensão do seu serviço de notícias, o que implica o fim do acordo sobre pagamento de taxas na Austrália.

Um sistema distinto seria impor o pagamento de taxas sobre o faturamento de toda a publicidade das redes, e não apenas na reprodução de notícias, com base no fato de que toda a população brasileira contribui para a lucratividade das Big Techs. Se todos nós fornecemos gratuitamente informações que empresas como Facebook e Google usam para ganhar dinheiro, é justo que sejamos também participantes dos lucros destas redes.

Além disso, como as redes não produzem conteúdos noticiosos (elas alegam isto para não pagar direitos autorais), é importante que a arrecadação obtida mediante o pagamento de taxas seja destinada ao financiamento de atividades jornalísticas, especialmente as desenvolvidas em pequenas e medias comunidades. É no âmbito local que a informação tem um papel fundamental no exercício da cidadania e para o desenvolvimento econômico regional.

Obviamente seria necessário pensar numa estrutura capaz de receber e repartir as receitas eventualmente obtidas através de taxas pagas pelas redes sociais. Mas este é um tema a ser abordado mais adiante.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.