No dia 5 de abril, a polícia equatoriana, de modo abrupto e desrespeitoso, adentrou em instalações diplomáticas do México, em Quito. Também de forma abrupta e desrespeitosa, interpelou os funcionários da embaixada asteca. Abrupta e desrespeitosamente, retiraram contra sua vontade o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas, que havia buscado asilo nesse local. Abrupta e desrespeitosamente, o direito internacional foi deliberadamente violado.
Esse ato internacional insólito constitui uma contribuição latino-americana para a atual desordem mundial, mesmo que não tenha sido essa a sua intenção. O Equador não é o primeiro estado latino-americano, hemisférico ou universal a quebrar as regras internacionais que visam promover uma coexistência pacífica entre os Estados. Mas o fato de o Equador, um país modesto, seguir o mau exemplo dado pelas grandes potências e outros países de médio porte é, sem dúvida, um sinal revelador de uma pandemia que está minando as Nações Unidas.
A entrada das forças de segurança equatorianas na embaixada mexicana é um ato proibido pelo direito internacional. A Convenção de Viena relativa às Relações Diplomáticas foi assinada em 1961, durante a Guerra Fria, com o acordo das Nações. Quaisquer que sejam as suas diferenças – ideológicas, fronteiriças, econômicas, históricas – os governos têm de dialogar. Se queremos evitar a guerra e, por conseguinte, preservar a paz, temos de falar com o nosso adversário, ou mesmo com o nosso inimigo. Isto significa poder contar com um cabeça de ponte com imunidade diplomática em todos os tipos de países. É por isso que o artigo 22º da Convenção de Viena confere inviolabilidade às missões diplomáticas e obriga o Estado de acolhimento a protegê-las. O artigo 29º especifica que “a pessoa do agente diplomático é inviolável”.
A União Soviética tinha uma embaixada nos Estados Unidos durante o confronto Leste-Oeste. Os Estados Unidos tinham uma em Moscou. O livre acesso a estes locais diplomáticos podia ser impedido. Os embaixadores eram ocasionalmente chamados pelos seus governos para consultas. Mas em nenhum momento a respectiva polícia invadiu a embaixada do país rival. Este princípio foi ampliado na América Latina pela instituição, em 1954, do “direito ao asilo diplomático”. Em nome deste direito, o dirigente peruano do partido Apra, Raúl Haya de la Torre, foi recebido na embaixada da Colômbia em Lima, na década de 1950. As embaixadas da Argentina e do México protegeram centenas de democratas chilenos em 1973, após o golpe de Estado de Augusto Pinochet. Durante vários anos, o Equador alojou Julian Assange na sua missão em Londres, de 2012 a 2019. Quito suspendeu esta tradição, entregando Julian Assange à justiça britânica em 2019.
Um novo passo foi dado após a eleição, em 2023, do Presidente Daniel Noboa, que não mantinha boas relações com o México. Jorge Glas, antigo vice-presidente de Rafael Correa, entre 2013 e 2017, foi processado e, em 17 de dezembro de 2023, refugiou-se na embaixada mexicana em Quito. Independentemente do juízo que se faça sobre a eventual culpabilidade e das opiniões de Jorge Glas, que são opostas às de Daniel Noboa, este se encontrava em território mexicano, protegido pela extraterritorialidade das embaixadas, garantida pela Convenção de Viena. Quebrar esta proibição, como fez o Equador, é rasgar uma das salvaguardas da paz mundial.
É verdade que o Equador de Daniel Noboa não abriu um precedente. A sua ação faz parte de uma deriva que, ano após ano, mina os instrumentos diplomáticos que permitem perpetuar os canais de comunicação entre Estados em conflito mais ou menos grave. Desde o fim da União Soviética, os big boys – os Estados Unidos e a União Europeia – cederam à tentação de jogar duro. A OTAN interveio na Sérvia sem a aprovação da ONU. Os Estados Unidos invadiram o Iraque no mesmo contexto. A França e o Reino Unido derrubaram o regime de Kadhafi na Líbia sem se preocuparem com as resoluções da ONU. A Rússia anexou a Crimeia em 2014, desafiando o direito internacional. Em 2022, invadiu a Ucrânia sem qualquer razão legal. A China está ocupando as ilhas no Mar da China sem ter em conta os direitos das Filipinas e do Vietnã. É claro que existem precedentes nas Américas.
No século 20, os Estados Unidos, seguindo os passos da Espanha, da França e do Reino Unido no século 19, intervieram em assuntos internos da América Latina, em nome de justificativas que serviam aos interesses de Washington, como a da Doutrina Monroe, de 1823, o seu corolário no governo Roosevelt, de 1904, e a sua atualização por George Bush II, em 2002. Os governos latino-americanos que não lhes convinham eram afastados, se necessário militarmente. Mais contemporaneamente, os presidentes eleitos da Guatemala (1954), da República Dominicana (1964), do Chile (1973) e do Panamá (1989) foram vítimas deste unilateralismo invasivo. Outros governos foram sujeitos a sanções econômicas e financeiras unilaterais, como Cuba, desde 1962, e Venezuela, mais recentemente.
Estariam estes precedentes, que desestabilizam a ordem das nações, se repetindo? O consulado iraniano na Síria foi vítima de um atentado em 1 de abril de 2024, atribuído ao exército israelense. Vários edifícios geridos pela embaixada da Argélia em Marrocos foram confiscados em março de 2024 pelas autoridades xerifinas. Tudo isto se passa num clima em que o diálogo, o direito e os tratados são geralmente questionados. Os tratados de não-proliferação nuclear, por exemplo, pela Coreia do Norte e pelo Irã. A Carta das Nações Unidas pelo Azerbaijão, que escolheu a via das armas para impor os seus pontos de vista à Armênia. E por que não amanhã a Venezuela, que se sente tentada por uma solução deste gênero para resolver o seu diferendo fronteiriço com a Guiana? Há mais de setenta anos, a polícia do marechal Pétain invadiu as embaixadas latino-americanas em Vichy. Um diplomata peruano, Francisco Vegas Seminario, que viveu estes acontecimentos, seguidos de um internamento confortável, mas com pouco respeito pela lei, de 1942 a 1944, escreveu um romance sobre eles, Hotel Dreesen[1]. “Apesar da vigilância cerrada, escrevemos notas de protesto […] que não impressionaram Laval”, escreveu.
Essa prisão de exceção poderia ser uma espécie de premonição? Será que o Equador, a América Latina e a sociedade internacional vão se preparar, de forma sucessiva, para a paz dos cemitérios, promovendo generais em vez de diplomatas, como fazem os “Grandes” deste mundo? Os protestos convergentes da Argentina de Javier Milei, que abriga na sua embaixada de Caracas opositores de Nicolas Maduro, da Nicarágua, que oferece a mesma proteção na sua legação do Panamá ao opositor e antigo presidente Ricardo Martelli, e de 16 outros países latino-americanos, aos quais se juntam a União Europeia e dez das suas componentes nacionais, o Canadá e os Estados Unidos, parecem indicar que, apesar de tudo, talvez Daniel Noboa tenha ultrapassado uma linha vermelha. Teremos de acompanhar de perto os próximos capítulos desta telenovela, na ONU e na OEA, que manifestaram a sua preocupação, e no Tribunal Internacional de Justiça, para o qual o México remeteu o caso.
Notas
[1] Francisco Vegas Seminario, Hotel Dreesen, Lima, Fundación Academia Diplomática del Perú
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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.