Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Três histórias exemplares

Nesta edição de Telejornalismo em Close, vou contar três histórias. As duas primeiras vão pela pena dos próprios autores, os jornalistas Fenelon Rocha, hoje fazendo doutorado na Espanha, e Franklin Martins, da TV Globo. A terceira é minha mesmo. A história do Fenelon veio a propósito do meu artigo ‘O furalismo ganhou do jornalismo‘, aqui neste TJ em Close. A segunda faz parte do livro do Franklin, ‘Jornalismo Político’ (Ed. Contexto, 2005, R$ 29). A terceira é um relato que ouvi de um colega da sucursal de Brasília da TV Globo. As três tratam de um mesmo tema, que vale a pena ser pisado e repisado: a responsabilidade jornalística.

História 1

O dia em que quase crucificaram Jesus de novo

Fenelon Rocha

(…) nem preciso de Watergate para destacar a importância de um passo a mais na investigação efetiva (…) Pela lógica do ‘fontismo’, as evidências podem negar o fato, mas se ‘há alguém assumindo a fala’, isto isenta o meio – e, convenhamos, afasta a informação dos mais elementares princípios jornalísticos.

Quando digo que nem preciso ir ao Watergate é porque passei por situações semelhantes, mas tendo o cuidado de ‘checar’ a tal informação ‘jornalística’. Uma dessas situações foi em 1995, quando o empresário Jesus Tajra presidia a ainda viva Telepisa, empresa de telefonia do Piauí. Recebemos no jornal O Dia (de Teresina) denúncia de que a Telepisa estava comprando 70 veículos da marca Fiat, da qual Tajra era e é representante no estado. Um repórter saiu em busca do furo. Vinte minutos depois de sair da redação, encontrou em um estacionamento da empresa os 70 veículos. Para o repórter, o fato estava esclarecido, confirmando-se a denúncia. A manchete estava garantida.

Achei que a foto dos carros não era suficiente e determinei ao repórter que fosse à sede da empresa falar com Tajra. ‘Ele está viajando’, avisou o repórter, já na sede da Telepisa. Insisti para que ouvisse o diretor-administrativo, Moacir Leal. E aí a ‘manchete’ virou matéria da lata do lixo.

De fato, a Telepisa estava comprando 70 carros da Fiat, de uma licitação vencida por uma empresa de Recife – que nada tinha que ver com a empresa de Tajra. Mais: a licitação tinha sido iniciada e terminada antes da indicação de Jesus Tajra para a presidência. Este dado transformou uma evidência em engano. Algo que um mínimo de rigor na apuração dos fatos consegue, tirando um pouco a força do ‘furismo’, esse fenômeno que esgota as forças do próprio jornalismo’.

História 2

Um lixo de 300 mil dólares

Franklin Martins

‘Nas eleições de 1994, era editor de política de ‘O Globo’. No fim de semana anterior ao segundo turno das eleições para governador do Rio de Janeiro, o jornal recebeu um dossiê, fartamente documentado, com pesadas denúncias sobre o envolvimento de parentes do candidato Marcello Alencar em atos de corrupção. À primeira vista, o conjunto do material era nitroglicerina pura. (…) Boa parte dos documentos (…) era de agências bancárias de São Paulo. A origem do dossiê, também. A sucursal de São Paulo, então, foi acionada, e o repórter Luiz Carlos Azedo, encarregado de ouvir os gerentes de banco e entrar em contato com os caras que haviam produzido o dossiê. (…)

No meio da tarde de segunda-feira, Azedo ligou-me. (…) ‘Parece coisa de 171. Mas tenho uma boa notícia: um dos gerentes do banco topou dar uma olhada no dossiê’. (…) À noite, Azedo voltou a falar comigo. ‘O gerente diz que o nome e o número de uma agência na fotocópia não coincidem. Ele levou o material para um inspetor do banco’. (…) O inspetor constatou incongruências em três documentos. Para ele, trata-se de uma montagem. Enquanto isso, em um banco no Rio, logramos descobrir que os valores do canhoto de um depósito na conta de um dos parentes de Marcello não batiam com a movimentação efetivamente feita. (…) Telefonei então para o político que apadrinhara o dossiê. (…) ‘É tudo uma falsificação’. O cara ficou branco. (…) Ao final, jogou a toalha: ‘E pensar que nós pagamos 300 mil dólares por esse lixo’.

História 3

Marcos Valério operou nos computadores do TSE

P. J. C.

Poucos dias depois do depoimento de Marcos Valério à CPMI dos Correios, a redação da TV Globo em Brasília recebeu um telefonema. Alguém do Hotel Gran Bittar, onde a secretária Fernanda Karina assegurava terem acontecido as entregas de dinheiro a deputados, dizia estar de posse da lista de nomes dos hóspedes, com os gastos de frigobar e ligações telefônicas, e tinha uma bomba para oferecer aos repórteres. A data mais intrigante era 14 de julho de 2004, dia em que Marcos Valério assegurara à CPMI que se encontrava em viagem pelos Estados Unidos. Os registros do hotel desmentiam Marcos Valério, pois havia anotações de sua estada no hotel, inclusive com ligações telefônicas feitas para o Tribunal Superior Eleitoral, além de outra, para São Paulo.

Na redação da Globo acendeu-se a luz de alerta: iça!, pegamos o cara! Matérias em curso foram suspensas para dar atenção exclusiva ao novo fato. A primeira providência foi ligar para os números constantes do registro das ligações telefônicas feitas por Marcos Valério. Depois de vários telefonemas locais, sem sucesso, decidiram fazer um interurbano para São Paulo. Uma voz de mulher atende, o repórter diz que quer falar com Marcos Valério. A mulher pede que aguarde, pois seu filho Marcos Valério estava no outro quarto, se recuperando de uma crise renal. ‘Ele até demorou a ser atendido ontem no hospital porque acharam que ele estava se escondendo’, comentou.

Minutos depois, o próprio Marcos Valério atende: ‘Estive em Brasília nesta data aí, sim. Sou técnico em informática e fui dar um curso no TSE para a organização das próximas eleições. Meu nome é Marcos Valério, tenho uma empresa em Belo Horizonte, também gosto muito de cavalos – tal como o xará da CPMI – mas não tenho dinheiro nem pra comprar uma égua.’

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Jornalista, editor do Telejornalismo em Close