O bloco contra a valorização do real voltou, em bloco, às páginas de vários jornalões, com editoriais, registro de perdas e, de novo, com previsões catastróficas dobre o futuro das exportações brasileiras. A volta aos jornais se dá cerca de um ano depois do início das queixas de setores da indústria que atribui suas mazelas à perda de valor do dólar perante o real.
Duas grandes diferenças e uma semelhança podem ser notadas nesta nova onda de protestos. A primeira grande diferença é que, agora, as fontes escaladas para representar os setores que se dizem prejudicados não usarem argumentos fictícios, como o de que a valorização do real devia-se à entrada maciça de capitais meramente especulativos no mercado, em busca do alto rendimento propiciado pelos juros estratosféricos do Brasil. Foi preciso que um jornalista econômico, Celso Ming, do O Estado de S.Paulo, mostrasse que a razão concreta era a fartura de dólares gerada pelos recordes sucessivos das exportações para que colunistas de outros jornais parassem de repetir o mesmo cantochão equivocado. A segunda grande diferença é que, desta vez, o lobby não cobra a intervenção do Banco Central no mercado cambiário. No ano passado, durante meses seguidos, o Valor Econômico deu voz ao lobby dizendo que somente a compra de grandes quantidades de dólares pelo BC seria capaz de reverter as perdas, apesar dos efeitos colaterais perversos trazidos pela compra, como o aumento da dívida pública, por exemplo. O BC finalmente agiu como o lobby pedia, mas o dólar não mudou de lugar – pior, continuo perdendo valor – pelo motivo central apontado por Celso Ming. A semelhança entre a onda do ano passado e deste ano é a desarticulação do lobby em sua abordagem aos grandes jornais, como evidenciam vários textos publicados hoje, a começar pelos editoriais.
A Folha de S.Paulo ataca com o editorial ‘Câmbio em xeque’, mencionando que a recente decisão do governo de isentar de Imposto de Renda investidores estrangeiros que aplicam em títulos da dívida pública interna só vai agravar o problema.
No trecho em que vocaliza o lobby de setores da indústria de exportação, diz:
Os alertas dos setores prejudicados pela valorização do real têm encontrado pouca acolhida. Pesa contra essas queixas o desempenho amplamente superavitário do comércio exterior. Mas levantamentos mostram perda de participação das exportações brasileiras em mercados estratégicos, de bens manufaturados de maior valor agregado. Dados da Funcex (Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior) indicam que a quantidade exportada de manufaturas brasileiras, que se expandia com velocidade ao longo de 2005, já transitou para a virtual estagnação’.
A afirmação da última frase dá voltas para repetir o mesmo erro do ano passado: a incerteza e a falta de clareza na argumentação. ‘Virtual estagnação’, na verdade, não pode ser traduzido por perdas, embora o pareça à primeira vista. Uma visita ao dicionário nos ensina que virtual significa potencial, aquilo que pode tornar-se realidade. Estagnação é o que não flui, que não vai para trás nem para a frente. Logo, ao contrário das perdas apontadas, pode-se concluir que ‘virtual estagnação’ significa, no caso, estabilização.
Mais adiante, a Folha de S.Paulo defende com razão a queda dos juros para facilitar a vida dos empresários – faltou dizer que ela também seria muito bem recebida pelos demais mortais – e justifica o ‘xeque’ do título do texto dizendo:
Não há justificativa para, em nome do esforço de controlar a inflação, contribuir para um movimento de valorização cambial que já se revela francamente ameaçador para a competitividade do setor produtivo e a estabilidade futura da economia.
Além da impropriedade do trecho acima em contrapor o esforço contra a inflação com facilidades para a ‘competitividade’, o jornal comete o mesmo equívoco de dezenas de reportagens que denominam a indústria como ‘setor produtivo’, esquecendo-se que o campo, os serviços e o comércio produzem mais riquezas do que fábricas.
O Estado de S.Paulo também dedica editorial ao assunto e, desde o título – ‘As exportações resistem’ – demonstra mais cuidado na comparação dos números com as queixas do lobby. Mais do que isso, o texto também ajuda a derrubar outra verdade estabelecida por luminares da imprensa – a de que a maioria das exportações brasileiras é de produtos primários. Os parágrafos iniciais colidem com o tom da Folha e, ao contrário deste, traz números para acompanhar a argumentação: Diz o jornal:
A alta dos preços dos produtos de exportação explica boa parte do crescimento de 22,6% das vendas externas do País em 2005. O aumento médio foi de 12,2%, o maior dos últimos dez anos, e não se limitou às commodities. Os produtos básicos subiram 14,2%, os semimanufaturados, 11,8% e os manufaturados, 10,9%. Mas, apesar da valorização do real em relação ao dólar, que gera queixas do setor exportador e provoca previsões de que o saldo comercial começará a diminuir logo, a quantidade dos produtos embarcados também cresceu vigorosamente. O aumento foi de 9,3% em 2005, de acordo com levantamento feito pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).
A Funcex analisou o desempenho de 27 setores, que respondem por 98% das exportações. Com poucas exceções, esses setores registraram aumento da quantidade exportada. Indústrias como a automobilística, de máquinas e tratores, de material elétrico e de equipamentos eletrônicos tiveram desempenho melhor do que a média.
Do universo de cerca de 17 mil empresas que exportaram em 2005, um pequeno grupo de 16 delas ignorou os problemas com a desvalorização do dólar. Num ano em que o real se valorizou 14% em relação ao dólar, essas empresas conseguiram, pelo menos, duplicar suas exportações. Algumas conseguiram triplicar e até quintuplicar suas vendas para o exterior.
Não são empresas que exportam pouco ou que tiveram vendas muito baixas em 2005. Todas são de bom porte e estão entre os 250 maiores exportadores do País. Entre elas há fabricantes de equipamentos de alta tecnologia, de produtos eletrônicos, de produtos siderúrgicos, de caminhões.
Um conjunto de fatores favoreceu esse desempenho. Estratégias adequadas de conquista de mercado, bons preços internacionais, aperfeiçoamentos em logística, investimentos bem planejados e até um pouco de sorte explicam o notável crescimento das exportações dessas empresas.
(…)
Como mostrou reportagem de Fernando Dantas publicada pelo Estado na terça-feira, mesmo com o câmbio desfavorável, as exportações de veículos automotores cresceram 26,5% em quantidade, as de máquinas e tratores, 9,7%, as de material elétrico, 9,7% e as de equipamentos eletrônicos, 104,3%, de acordo com dados da Funcex.
Outro levantamento da Funcex mostra que a fatia do agronegócio nas exportações brasileiras não se alterou nos últimos anos. Era de 28% do total no início da década de 90 e foi de 29,3% no ano passado. Utilizando-se um critério mais amplo para os produtos agroindustriais adotado pelo Ministério do Desenvolvimento, a tendência não muda: a fatia de 41,4% do total exportado em 1990 manteve-se exatamente do mesmo tamanho em 2005.
Nos três últimos, por fim, O Estado dá atenção às queixas do lobby, mas não projeta o mesmo cenário de água parada de seu concorrente:
Isso não quer dizer que a desvalorização do dólar seja irrelevante. Ela já produz efeitos negativos para alguns segmentos da indústria, que, por causa da taxa de câmbio, vêm perdendo competitividade. A queda da quantidade exportada pelos setores de calçados, couros e peles (- 3,9%) e de madeira e mobiliário (-5,2%) indicam isso. No caso dos calçados, nem mesmo os investimentos em modernização feitos nos últimos anos para enfrentar a crescente concorrência chinesa parecem ter sido suficientes para compensar os efeitos da desvalorização do dólar.
Também a rentabilidade das exportações diminui. De 25 setores examinados pela Funcex, 22 tiveram rentabilidade menor em 2005.
Por enquanto limitados, os efeitos da valorização do real precisam ser acompanhados com atenção pelo governo.
Por fim, ainda tratando de exportações, a coluna de hoje do jornalista Sergio Leo, do Valor Econômico, derruba outra verdade estabelecida e formada pelo lobby que defende a entrada incondicional do Brasil na Alca, a Aliança de Livre Comércio das Américas, sob o pretexto de que a estratégia de buscar novos mercados para produtos brasileiros, além da Europa e dos Estados Unidos, é um erro colossal do governo Lula causado pela mentalidade esquerdista dos negociadores brasileiros.
Em ‘Exportadores miram mercados emergentes’, Sergio Leo, sublinha que, durante o encontro do Conselho de Desenvolvimento Industrial, ocorrido na semana passada, em Brasília, ‘chamou a atenção pelo pragmatismo e pela veemência com que foi defendido pelo ex-ministro da Agricultura Marcus Vinicius Pratini de Moraes, hoje presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec)’, (..) que ‘a grande aposta dos exportadores não está nos mercados tradicionais, dos EUA e Europa, mas nos chamados emergentes, o antigo terceiro mundo’.
A leitura do texto na íntegra é altamente recomendada. Em particular para as redações que vêem na exigência do Brasil por melhores condições para fazer parte da Alca como uma manifestação atrasada de anti-americanismo.
O quarto parágrafo desmonta esse exagero:
Pratini lembra que, em 1990, cerca de 80% das exportações do agronegócio se dirigiam ao Japão, à União Européia e aos Estados Unidos, que hoje absorvem 48% das vendas externas do setor. ‘No fim dessa década estaremos exportando 75% a 80% aos mercados emergentes’, comenta. É, segundo avalia, o reflexo da ‘grande mudança na geografia econômica do mundo.’
Pratini sugeriu aos membros do Conselho maior atenção e foco nesses mercados emergentes, países como Rússia, Índia, China, Indonésia, Filipinas, Egito, Nigéria, as nações árabes do Conselho de Cooperação do Golfo, Venezuela e Colômbia. A sugestão impressionou aos participantes da reunião, mais acostumados a ouvir de representantes do setor agrícola críticas à política ‘terceiro-mundista’ do Planalto e à paralisia nas negociações com americanos e europeus.
Para ex-ministro da Agricultura, as mudanças que ocorrem independem do sonho do governo Lula, de mudar a geografia do comércio mundial. Essa geografia está mudando com a estagnação econômica no mundo desenvolvido e o crescimento acelerado dos países em desenvolvimento. Uma indicação é a evolução das vendas do Brasil aos mercados emergentes.
Ainda acerca do debate estéril debate ideológico que tentou-se pintar a não adesão imediata do Brasil à Alca, o ex-ministro diz na mesma coluna que:
‘Não me interesso por política, ideologia. A questão é que a maioria desses países (de economia emergente), com o aumento da renda, não tem condições de suprir de alimento a população’, argumenta o presidente da Abiec, ao pleitear maior atenção do setor privado às estratégias de comércio com esses países, muitos deles ainda sujeitos a pressões políticas e corrupção. Pratini é pessimista com os mercados consolidados da Europa e Estados Unidos. ‘Só na Dinamarca, quatro ministros têm propriedades agrícolas subsidiadas’, enumera.
Recomenda-se a leitura na íntegra.