O jornalista deve ser um escritor dentro do jornal, para provar que o que se escreve no jornal é mais permanente do que aquilo que vemos num telejornal, ou lemos na tela do computador.
Podemos gravar em vídeos imagens a que assistimos na TV, imprimir numa folha ou copiar em arquivos o que lemos na web, mas é muito mais simples guardar um artigo de jornal. Não exige parafernália alguma. Basta uma tesoura real. Mas com uma condição: o que foi escrito deve ter sido escrito de modo inesquecível.
Um texto publicado no jornal pode ser lido mil vezes, o que contribui para formarmos nossa opinião com mais serenidade, estado de ânimo que nem sempre combina com a velocidade das coisas fugazes que passam diante dos nossos olhos e são substituídas por outras, e por outras, e por outras.
Muitos escritores – Dostoiévski na Rússia, Victor Hugo na França, Machado de Assis, Nelson Rodrigues e Paulo Francis no Brasil, e Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, José Cardoso Pires e José Saramago em Portugal – viveram dos seus textos escritos para os jornais. E muito do que escreveram foi o início, o meio e o fim de livros que publicariam mais tarde. E vemos hoje um Mario Prata, e um Gaudêncio Torquato, e um João Ubaldo Ribeiro, e um Luis Fernando Veríssimo editarem em forma de livro artigos e crônicas que surgiram nos jornais, ao sabor das circunstâncias, artigos e crônicas cuja vocação maior era fazer refletir e ponderar, ou fazer rir, o que é uma poderosa forma de fazer ponderar e refletir.
Mais poesia
Os jornais de hoje deveriam dedicar-se mais a essa reflexão, a essa ponderação, a esse riso reflexivo, do que à simples transmissão das notícias. Porque as notícias já nos chegaram faz tempo. Os leitores do jornal já sabem praticamente tudo. Já ouviram no rádio antes de chegar ao escritório, já viram na televisão horas atrás, já leram em algum site assim que ligaram o computador.
Na minha utopia, os jornais impressos deveriam tirar partido dessa sua desvantagem, dessa sua lentidão. Transmitir algumas notícias, sem dúvida, mas com mais história, com mais imaginação, mais metáforas, mais literatura, mais filosofia. Mostrando as entrelinhas, o menos evidente, o significativo.
Os profissionais que escrevem nos jornais deveriam ser os novos escritores. Comunicando menos fatos, e mais, muito mais poesia.
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(*) Doutor em Educação pela USP e escritor