Mesmo o leitor distraído já deve ter notado, a esta altura, que as contas do noticiário sobre a Operação Satiagraha e os seus desdobramentos simplesmente não fecham.
Os vazamentos em profusão, sem que a imprensa se dê o trabalho de pelo menos sugerir as motivações dos vazadores, além do óbvio ululante – prejudicar ou favorecer o delegado Protógenes Queiróz, no seu mesopotâmico tiroteio com o financista Daniel Dantas –, acabam servindo para cobrir as páginas dos diários com uma camada de desconfiança que a cada dia fica mais espessa.
O que mais se ouve é a teoria de que os meios divulgam apenas uma parte do que sabem com segurança a respeito – servindo as omissões para “proteger os culpados”.
E se não for isso? E se a imprensa, por falta de informação consistente e confiável, simplesmente não estiver conseguindo responder às perguntas que ela própria se faz sobre o rolo?
Uma indicação nesse sentido está na coluna de Eliane Cantanhêde, na Folha de sexta-feira, 21/11, intitulada “Desmoralização”.
O texto se dirige diretamente ao general Jorge Félix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, a propósito da carta que ele mandou – e, para variar, foi vazada – ao titular da Justiça, Tarso Genro.
Na carta, lembra a colunista, Félix diz que a busca e apreensão da Polícia Federal na Abin causou “profunda estranheza” e “indignação”, além de desmoralizar a agência perante as congêneres estrangeiras.
E aí se chega ao que interessa ao mundo da mídia. “Desculpe, general”, escreve Eliane, “mas quem está indignado e achando tudo estranho somos todos nós, que entendemos cada vez menos a guerra do ministro Tarso com o senhor, da PF com a Abin, de uma parte da Abin contra outra, de uma parte da PF contra outra”. [Itálicos acrescentados.]
Não é raro jornalistas entenderem pouco ou “cada vez menos” seja lá do que for. Raro é jornalista confessar isso, em letra de imprensa, equiparando-se, em última instância, ao desentendido leitor. Sinal de que a coisa está mesmo feia.
Vale a pena, para se ter uma noção do quanto feia está, ler o resto dessa espécie de carta-aberta em que a colunista desanca o general. Lá vai:
“Não esqueça como tudo começou: justamente numa aliança de policiais federais com investigadores da Abin, sem que os superiores de uns, e provavelmente o sr., superior dos outros, sequer soubessem. Na ‘calada da noite’, como ações de bandidos, não de mocinhos.
O alvo era Daniel Dantas, o banqueiro heterodoxo com amizades certas nos lugares certos – ou melhor, em todos os lugares –, mas acabou deixando na linha de fogo jornalista que dá furo de reportagem, ministros do Supremo, deputados, senadores e, de roldão, a própria polícia e a própria Abin. As brigas internas estão fazendo o resto.
O que se lamenta, entre tantas outras coisas ainda mal explicadas, é o envolvimento do então chefe da Abin, delegado Paulo Lacerda, com bela carreira e serviços prestados ao país. Tudo indica que ele tenha sido um dos mentores da operação, que começou com bons motivos e boas intenções e saiu do controle pelo messianismo de Protógenes.
A carta do senhor, general, chega atrasada, troca os necessários substantivos por dispensáveis adjetivos e não explica nada. A não ser que o senhor tenha sido pressionado ou se sentido na obrigação de defender a sua turma aí da Abin. Se é que a turma é mesmo sua. Ou de alguém.”