A chamada ‘lista de Furnas’, com ou sem a suspeita que é falsa, entrou na ordem do dia do noticiário. Desde a última terça-feira, várias reportagens tratam da relação de políticos que se abasteceu do suposto esquema da estatal elétrica comandado por seu ex-diretor, Dimas Toledo, para financiar campanhas eleitorais em 2002. São 154 nomes de políticos, a maioria deles do PFL e PSDB, além de partidos ligados ao anterior e atual governo, como PTB e PL, por exemplo, mas nenhum nome de parlamentar do PT. Essa ausência é um dos indícios de falsidade que o noticiário vem martelando desde então.
Mesmo sendo tão grosseiramente falsa, como disseram e repetiram o governador e de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito de São Paulo, José Serra – ambos, segundo a lista , entre os maiores beneficiários do esquema beneficiários – a denúncia pegou e soma-se às dezenas de outras que enlameiam partidos e políticos desde maio do ano passado. Pegou não por causa de seu conteúdo, mas por conta do acordo que gerou na CPMI dos Correios, com as decisões de postergar novas convocações incômodas tanto para o governo e a oposição. Importante frisar que o acordo brotou de muito bate-boca entre petistas, tucanos e pefelistas com ameaças mútuas de convocações de depoentes que inapelavelmente sujaria ainda mais a imagem das partes envolvidas. Em resumo, a lista falsa transformou-se em moeda de troca e, graças a ela, três nomes graúdos que orbitam em torno das CPI em curso foram poupados – até o momento – de enfrentar o constrangimento dos interrogatórios. Assim, foram adiadas as votações para decidir sobre a convocação do publicitário Duda Mendonça, do ex-diretor de Furnas e até do ex-dono do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira, esse último amigo da família Sarney e seus liderados.
O acordo embrulha o estômago do cidadão comum. Ele comprova o desinteresse das instituições envolvidas em realizar uma faxina sincera e necessária na estrutura dos partidos e da classe política.
Mas outra impressão insiste, e pergunta: qual seria a força destruidora desse documento calunioso, engendrado com insidiosa intenção de caluniar parlamentares da oposição e tirar o PT e o governo Lula do alvo das investigações sobre corrupção?
No que diz respeito ao trabalho da mídia, uma lacuna cresce a cada dia de silêncio. Trata-se da omissão da existência de um laudo do Laboratório de Perícias, empresa do perito Ricardo Molina de Figueiredo, professor-doutor da Unicamp, que assina o documento datado de 28 de outubro de 2005. Molina é um velho conhecido dos jornalistas. Em seu currículo, consta desde a chacina de Vigário Geral, de 1995, até análise de gravação de dois casos que assolam o PT: o da gravação do ex-assessor do ex-deputado José Dirceu, Waldomiro Diniz, embolsando propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira, encomendado pela revista Época, e o do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, sob encomenda do Ministério Público de São Paulo, no ano passado. Vide abaixo a relação completa dos casos, conforme consta no site da empresa do perito.
Ocorre que, até hoje, os jornais repetem a análise de que o documento é falso, mas omitem o parecer assinado pelo perito. O laudo de Molina não é conclusivo, mas, por outro lado, colide com a opinião comum de que se trata de um trabalho grosseiro de falsificação, como acusaram Alckmin e Serra.
Para colaborar com editores e repórteres que queiram apresentar para os seus leitores a existência de um laudo mais autorizado do que as reações dos acusados ou conclusões dos jornalistas leigos em perícia, o Contrapauta reproduz abaixo o texto do laudo sobre a ‘lista de Furnas’. Em seguida, o fac-simile de suas duas páginas:
I) MATERIAL QUESTIONADO
Ao perito foi apresentado o seguinte material:
– Um documento de cinco páginas com cópia reprográfica, com cabeçalho contendo os dizeres ‘Furnas Elétricas S.A. e logotipo correspondente. O referido documento está datado de 30 de novembro de 2002 e teria sido emitido no Rio de Janeiro. As quatro primeiras páginas contém (sic) uma rubrica, enquanto a última, sob a data e local, contém lançamento atribuído a Dimas Fabiano Toledo.
II) OBJETIVOS PERICIAIS
Ao perito foi solicitado que examinasse a autenticidade do documento, verificando se existe no mesmo algum indício de manipulação fraudulenta.
III) DISCUSSÃO
Cabe, antes de mais nada, observar que a análise de cópias reprográficas tem limitações naturais pois se baseia em uma imagem do documento e não do próprio documento. Enquanto a cópia é um modelo bidimensional, o original tem uma dimensão a mais, a profundidade. Esta dimensão adicional pode ser decisiva para a verificação de algumas pistas importantes.
Assim, considerações definitivas quanto à autenticidade dependem de um exame do original. As limitações, entretanto, não devem ser considerados impedimentos absolutos, visto que a viabilidade dos exames depende fortemente da qualidade da cópia e do documento periciado. Em muitos casos, por exemplo, com pequena margem de erro, verificar a autenticidade de uma assinatura, mesmo em uma cópia.
Outra importante consideração ao avaliar cópias é entender que indícios de falsidade em muitos casos permanecem na cópia e, quando detectados, podem levar à uma (sic) conclusão definitiva quanto à não autenticidade do documento. A recíproca, entretanto, não é verdadeira, ou seja, a ausência de indícios de falsidade na cópia não garante que a autenticidade do suposto original. É fácil entender essa assimetria. O fato é que, com os recursos digitais atualmente disponíveis, não é impossível montar documentos colocando, por exemplo, uma assinatura sobre uma área em branco da página. O sucesso ou insucesso deste tipo de manipulação depende fundamentalmente da habilidade de quem a realiza. É evidente que falsificações mais descuidadas terminarão por deixar marcas mesmo nas cópias reprográficas.
No caso em questão, é possível, dentro das ressalvas apontadas, afirmar que o documento questionado não apresenta indícios de manipulação fraudulenta. Existe alinhamento nos eixos vertical e horizontal, não há vestígios de inserções a posteriori¸ os espaçamentos são regulares etc. Uma verificação definitiva quanto à sua autenticidade, no entanto, dependeria da análise do documento original.
Campinas, 28 de outubro de 2005
fac-símile
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