Um dos melhores redatores da imprensa brasileira, Renato Pompeu, costuma dizer que, para testar a precisão do noticiário da imprensa, basta ler no jornal alguma notícia que se tenha presenciado. Nunca bate.
Como de hábito, Renato Pompeu está coberto de razão. Veja só que delícia: no mesmo dia, dois grandes jornais, citando a mesma fonte – uma entrevista do médico austríaco Nikolai Korpan ao The Times, de Londres – publicam os seguintes títulos, na versão eletrônica: ‘Médico nega envenenamento de líder da oposição na Ucrânia’ e ‘Jornal diz que Yushchenko foi envenenado durante campanha na Ucrânia’.
O mais curioso é que não se trata daquele outro fenômeno tão comum na imprensa, o do título que contradiz o texto. Não: o texto de um confirma o envenenamento, o texto de outro desmente o envenenamento, ambos remetendo à entrevista de Nikolai Korpan ao The Times.
E, claro, no dia seguinte não se toca mais no assunto. Quem lê um dos jornais sabe que o dirigente oposicionista ucraniano foi envenenado, quem lê o outro sabe que a notícia do envenenamento é falsa, e quem lê os dois, buscando melhor informação, não sabe mais nada.
Quem manda ser perfeccionista e perder tempo tentando descobrir qual a informação verdadeira?
Deu no jornal…
Esta maravilha saiu numa reportagem sobre mineração de urânio no Brasil. A folhas tantas, a preciosidade: informa-se que o ácido sulfúrico é um produto altamente químico. É verdade – aliás, dos mais químicos.
…deve ser verdade
E há o caso de Kathryn Rakitova, turista que cometeu a temeridade de viajar a estas plagas tropicais e desapareceu. De acordo com o texto do jornal, trata-se de uma turista israelense. De acordo com o infográfico publicado ao lado, trata-se de uma turista russa.
Como foi a Embaixada de Israel que deu queixa do desaparecimento, é provável que seja mesmo uma turista israelense.
Tudo certinho
E, já que o dia hoje é de preciosidades lingüísticas, há um título fantástico sobre uma tragédia: ‘Taxista morre após ser queimado vivo no interior de SP’. Rigorosamente técnico: se tivesse morrido antes de ser queimado vivo, aí sim haveria uma imprecisão de linguagem.
Embaraçoso
Este colunista não tem nada contra o duplo sentido – ao contrário. O uso consciente do duplo sentido dá humor ao texto, brinca com a verdade estabelecida, cria uma certa cumplicidade entre o redator e o leitor. Mas isso só vale para o uso consciente. Se o duplo sentido é involuntário, pode ser engraçado; mas pode chegar ao baixo nível com certa facilidade.
Veja esse texto: ficou engraçado ou foi de baixo nível?
‘Em nota, a Associação dos Magistrados Brasileiros informa que recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra o Conselho Nacional de Justiça composto por membros de fora do Judiciário’.
Titular da Vara
Não é a primeira vez em que se fala de membros de fora do Judiciário. Há tempos, houve escândalo quando certa causídica promovia uma sustentação oral no carro do meritíssimo, e um guarda se aproximou na hora errada. Houve também algum reboliço quando três senhoras imitavam simultaneamente a americana Divine Brown, enquanto três cavalheiros imitavam o ator Hugh Grant. Mas destes, embora todos estivessem cursando Direito, só um se manteve atuante nos tribunais. Dois outros preferiram dedicar-se a um ramo auxiliar do Poder Executivo, hoje aliás em grande evidência.
Notícias e notícias
O Corinthians fez uma grande contratação, Tevez; em seguida, houve grande especulação na imprensa esportiva sobre a possível vinda de David Beckham, também para o Corinthians. Ninguém levou a informação a sério: Beckham ganha muito mais como garoto-propaganda do que como jogador, e para um garoto-propaganda nada é tão sedutor quanto a Europa. No entanto, a informação foi debatida como se fosse verdadeira.
Só que nem sempre o que se discute nas mesas-redondas é fato. Há anos, quando Freddy Rincón deixou o Corinthians pela primeira vez, correu a notícia de que seu substituto seria o argentino Fernando Redondo, do Real Madrid – um craque, sem dúvida. Mas como é que surgiu a notícia?
Este colunista fez uma boa pesquisa e apurou que o boato surgiu numa roda de jornalistas, que discutiam quem seria um bom substituto para Rincón. Alguém disse, e com razão, que Redondo preencheria com brilho a falta de Rincón. Foi o suficiente para que se discutisse a possível contratação de Redondo, como se alguém do clube o tivesse procurado.
Jornalismo esportivo é coisa séria: se virar coisa igual às fofocas da TV, em quem é que o torcedor vai poder confiar?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação