As razões, ou desrazões, do presidente Lula para jogar gasolina nas chamas da crise da corrupção – com a qual acha ou finge achar que não tem nada a ver – são um pedaço do quadro sombrio político que está aí.
O segundo pedaço que nele se encaixa são os ataques de Lula à imprensa, um dia sim, o outro também.
Tomando as suas palavras pelo valor de face, os jornais estariam condenando por antecipação, em manchete, “aqueles que não cometeram nenhum delito”, a quem pelo menos precisarão pedir desculpas, “na hora em que for provado que eles são inocentes”.
No mundo inteiro, há muito tempo, os críticos de mídia condenam a tendência a acusar aos berros e a se retratar aos sussurros. A praga do denuncismo, portanto, é real e universal, em especial nos países – e este não propriamente é o caso brasileiro – onde a imprensa e os comunicadores de esgoto têm um público na casa dos muitos milhões.
É o caso da Inglaterra, com seus repelentes tablóides. É o caso dos Estados Unidos, com os seus hidrófobos radialistas da ultra-direita e, ultimamente, com os seus similares na chamada blogosfera.
Mas, agora e aqui, do que se queixa o presidente? Pela sua lógica tortuosa, a mídia crucifica aqueles cuja inocência será provada um dia, mas que ele já absolveu, mesmo quando, “vamos aguardar”, como disse, porque “não tem o resultado da CPI”.
A vergonha que faltou
Pausa para voltar a fita por um instante. No governo Fernando Henrique, setores da mídia, estimulados por procuradores federais, manifestamente identificados com o PT, que atiravam primeiro para ver depois se tinham acertado alguma coisa – fizeram picadinho do secretário presidencial Eduardo Jorge Caldas Pereira.
Nada do que se levantou contra ele foi consubstanciado. Nem os prestativos procuradores, nem a mídia que comia das suas mãos, sem se preocupar em examinar a qualidade dos ingredientes, tiveram a decência de se desculpar com o seu alvo, na hora em que foi provado que era inocente, como diria Lula.
O mesmo vale para os parlamentares petistas que reforçavam da tribuna a fuzilaria politicamente motivada. Só agora, no Conselho de Ética da Câmara, o ex-ministro José Dirceu – que tem motivos, válidos uns, como no caso da Veja, outros nem tanto, para se queixar da mídia – se desculpou pelo que dizia de Eduardo Jorge.
Ele afirmou que não se sentia envergonhado por se retratar. Podia ter dito que sentia vergonha pelo que fez. Mas passemos.
Pior é o que (ainda) não dá para publicar
De volta à atualidade, está claro que Lula adotou a tática de atirar no mensageiro por causa do conteúdo das mensagens. Ouvindo-o falar, parece que a mídia inventou a megamaracutaia de que participaram alguns dos seus mais estrelados companheiros e os bons amigos deles, com todos os sinais de que o dinheiro público não ficou imune a isso.
Salvo as proverbiais exceções que confirmam a regra, o que a imprensa vem trazendo à tona, como é de seu dever, é sujeira produzida por outros, não fabricada por ela.
Se esses outros são os mesmos que passaram anos e anos desfilando o que queriam que a arquibancada visse como sendo as suas vestes sem mácula, mais um motivo para destacar a embromação evidenciada. Tanto pior para eles: ninguém mandou, como se diz, construir um projeto de poder baseado num esquema de corrupção política perto do qual tudo que veio antes é pinto.
E tem mais: o que os jornalistas ouvem dizer sobre a privatização espúria do Estado nacional no governo Lula – mas não publicam porque (ainda) não conseguiram provar – é de cair o queixo.
Do presidente Lula se pode dizer uma de duas coisas: ou ele vive no mundo da lua ou só pode ser o último com credenciais válidas para atirar a primeira pedra na mídia.