Diz uma pesquisa da Associação Mundial de Jornais que os brasileiros só perdem para os belgas em tempo dedicado à leitura dos diários: 54 minutos lá, em média, 48 minutos cá.
Pelo visto, embora se leia muito pouco jornal no Brasil – a circulação total é de 7,2 milhões de exemplares, quase nada perto dos 40 milhões de espectadores do Jornal Nacional -, a minoria leitora parece fazer mais do que simplesmente bater os olhos nas manchetes. Tomara que seja verdade.
Um inibidor de leitura é a restrição do acesso às edições online dos diários, de que é exceção, entre os principais deles, o Globo. Outro inibidor da oportunidade de ler e refletir sobre textos da mídia impressa está no fato de certos periódicos, embora ricos em informações e idéias, nem sempre serem encontrados na banca mais próxima.
É o caso do jornal Valor Econômico. Hoje, por exemplo, nele se encontrará matéria-prima de primeira para o pensamento crítico em um artigo sobre a própria imprensa – ou como ela é vista pelos quadros dirigentes do PT – e o peculiar entendimento do presidente petista Ricardo Berzoini sobre a ética na política: “É uma questão importante. Mas tem que ser ponderada do ponto de vista da realidade política.”
A ética ponderada faz lembrar a democracia relativa de que falava o ditador Ernesto Geisel, mas essa é outra história.
O texto que pede que se gaste com ele tempo suficiente para formar opinião, em vez de raciocinar em bloco, é do experiente jornalista Raymundo Costa, reporter especial de Política do Valor, na sua coluna semanal das terças. Chama-se, sem meias palavras, “Pantomina democrática”:
”Passou despercebido do público em geral um encontro que o PT realizou no último fim de semana, em Paris. É um registro que não pode deixar de ser feito dado as manifestações de natureza antidemocráticas reiteradas por seus dirigentes na reunião, realizada na Maison de l´Amérique Latine, ironicamente, o mesmo local onde funcionou o QG da campanha presidencial da socialista Ségolène Royal.
A cidade parece exercer o estranho poder de deixar loquazes os dirigentes petistas. Ocorreu em 2005, na crise do mensalão, quando Lula absolveu o PT ao dizer que o partido nada mais fazia do que era feito ‘sistematicamente’ no Brasil, ou seja, o inocente Caixa 2. Os protagonistas, desta vez, foram Ricardo Berzoini, presidente do PT, e o secretário de Relações Internacionais, Valter Pomar.
As relações com a imprensa foram tema de destaque nas entrevistas concedidas pelos dois petistas, que não faziam questão de esconder a satisfação com que receberam a não-renovação da concessão do canal venezuelano RCTV pelo presidente Hugo Chávez.
Questionado se havia algum paralelo no Brasil, Valter Pomar nem sequer pestanejou: ‘Falando francamente, eu adoraria que houvesse’. O problema, para Pomar, é que ‘não há correlação de forças no Brasil para questionar a atitude de determinados meios de comunicação’. Inquietante.
Berzoini, por seu turno, destilou o rancor em relação ao que o PT chama de ‘grande imprensa’; e argumentou que a defesa da ética pelo partido deve ter a medida da conveniência política política de ocasião. Assustador.
Berzoini disse que aprendeu, especialmente nos últimos três anos, que ‘a capacidade inventiva da grande imprensa é enorme’, como se o Waldomiro Diniz, mensalão e aloprados fossem obra de rica veia ficcionista. Disse que viu ‘mentiras deslavadas’ em letra de forma, mas ao buscar retratação, ‘ouvimos que o que está publicado é isso mesmo’.
Mais Berzoini: ‘O PT, especialmente algumas partes do PT, caiu na tentação de fazer do debate da chamada ética na política o principal elemento de sua atuação. Não que não seja, é uma questão importante. Mas tem que ser ponderada do ponto de vista da realidade política’.
Dispensa comentários, mas o presidente do PT tem explicações. Segundo Berzoini, o Congresso fez três CPIs para investigar denúncias contra o governo Lula, entre elas a dos bingos, que ‘investigou tudo e não chegou a nada (…), onde se tomavam decisões inconstitucionais a torto e a direito’ cujo único objetivo era ‘interferir na disputa eleitoral de 2006’.
O raciocínio central de Pomar para defender o fechamento da RCTV é que a emissora apoiou a tentativa de um golpe de Estado contra um governo legalmente constituído. É fato, e fato jornalisticamente reprovável. Mas esqueceu de dizer que a emissora não foi a única – outras, como a Venevisión e a Televen foram aparentemente ‘perdoadas’ – por coincidência, depois do afastamento de alguns jornalistas ‘incômodos’.
Além disso, o cancelamento da concessão sem que antes se procedesse a um processo sobre a participação da RCTV no golpe (Chávez já deu dois ou três outros motivos para sua decisão). O que parece mais provável é que o bolivariano, aliás, um ex-golpista, tem dificuldades para conviver com idéias contrárias.
Berzoini e Pomar estiveram em Paris para participar do 3º Encontro dos Petistas na Europa, uma reunião preparatória para o congresso que o PT realiza no segundo semestre. Participaram dos núcleos do partido na França, Portugal, Espanha, Inglaterra, Bélgica e Dinamarca. Berzoini disse aos companheiros que o PT passou por uma crise grave que tinha por objetivo a sua destruição, que o partido lutará para manter sua identidade na coalizão governista e que precisa ganhar força nas eleições de 2008 para vencer a eleição de 2010.
Entre as teses para o congresso petista, mais de uma fala em ‘controle social da imprensa’, expressão que cada vez mais soa puro eufemismo, como se viu agora em Paris. É legítimo o PT se preparar para vencer as eleições de 2008 e 2010. O que não parece legítimo é prática da democracia mímica, que prega e exalta os valores democráticos e trama contra eles quando ponderados ‘do ponto de vista da realidade política.’
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