O Estado de S.Paulo foi proibido por decisão judicial de publicar matérias sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que indiciou Fernando Sarney, o filho mais velho do presidente do Senado.
Mas isso não tirou do jornal a primazia nas revelações que podem comprometer o senador e o seu clã. Nesse último fim-de-semana, a dose foi dupla.
No sábado, a entrevista do repórter Leandro Colon com o ex-diretor de Recursos Humanos do Senado, Ralph Siqueira, na qual ele desmente a versão de Sarney, no discurso de 16 de junho, de que não sabia o que eram atos secretos. Siqueira contou que falaram do assunto, a pedido dele, em duas conversas em fins de maio. (O Estado foi o primeiro a noticiar a existência desses atos, na edição de 10 de junho.)
A segunda dose foi servida no domingo, com a reportagem de Rodrigo Rangel sobre uma estranha história – a da empreiteira que pagou dois apartamentos no prédio dos Jardins, em São Paulo, usados pela família Sarney e onde Fernando tem uma unidade desde 1979.
O que valeu ao Estadão ser chamado por Sarney, entre outras coisas, de ‘nazista’.
O competente trabalho de jornalismo investigativo reconstitui as duas transações e a participação do empreiteiro Rogério Frota de Araújo no negócio. No primeiro caso, aparece também o neto de Sarney, José Adriano, que andou no noticiário meses atrás porque o avô o teria beneficiado com a oportunidade de fazer negócios milionários na intermediação de empréstimos bancários consignados a servidores do Senado.
Rogério é amigo do peito do deputado Sarney Filho, o Zequinha, pai de José Adriano. A sua empreiteira ganhou contratos substanciosos no setor elétrico – onde nenhum outro político parece ter tanta influência quanto o senador maranhense.
Foi Adriano quem abordou o proprietário do primeiro apê a ser comprado, avisando-o de que uma pessoa da empreiteira iria procurá-lo. O vendedor disse ao jornal que ficou com a impressão de que “por alguma razão, não queriam que o sobrenome Sarney aparecesse na história”.
Sobre Rogério, diz a primeira nota do “Painel” da Folha de segunda-feira, 17:
“Dono da empreiteira que bancou apartamentos usados pela família Sarney em São Paulo, o empresário Rogério Frota de Araújo é o braço financeiro do PV do Maranhão. Filiado ao partido, já ensaiou voos na política via município de Imperatriz, base eleitoral do deputado verde e amigo Zequinha Sarney. As candidaturas, entretanto, não emplacaram porque dividiriam votos com outros aliados do clã. Depois das eleições de 2004, quando adiou mais uma vez o sonho de entrar para a política, Frota aproximou-se de Fernando, o outro filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Em quatro anos, ganhou leilões e multiplicou contratos no setor elétrico.”
Como lembra o blogueiro Ricardo Noblat, foram ligações com uma empreiteira que custaram a presidência do Senado ao alagoano Renan Calheiros em 2007. Ele precisou renunciar ao posto para salvar o mandato depois que se descobriu que um lobista da construtora Mendes Júnior pagava despesas pessoais dele.
Mas não há indícios de que a matéria do Estado conseguiu perfurar o colete salva-vidas de Sarney. A sua situação no tal do Conselho de Ética do Senado continua confortável, na medida em que a oposição continua sem votos para desengavetar qualquer das representações contra ele. Segundo a Folha, os três membros petistas no colegiado teriam batido o martelo a favor do principal aliado de Lula no Congresso.
O senador demo Demóstenes Torres aparece no Estado fazendo uma pergunta retórica: “Quantas denúncias mais ele aguenta?” Salvo uma reviravolta que a esta altura não está nas cartas, a resposta certa parece ser “todas”.
Segundo o DataFolha divulgado domingo, 3 em cada 4 brasileiros querem Sarney fora da direção do Senado. Mas, para todos os efeitos práticos, são opiniões particulares, compartilhadas com o círculo de relações de cada qual, ou, no máximo, expressas na internet. Há um abismo entre essa formidável maioria desorganizada e a esqualidez dos protestos de rua contra o senador.
Só resta repetir o que já se escreveu aqui: ainda bem que o ânimo da imprensa em apurar o que os políticos escondem não depende dos resultados das apurações.