Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tia Beeb, rainha da Net

Insatisfeito com a pobreza das edições on line dos jornais e das revistas brasileiras de informação? Irritado por que, apesar disso, restringem o acesso a assinantes?

É o caso da Folha, do Estado, do Valor, do Correio Braziliense e da Veja, enquanto as formidáveis versões eletrônicas do New York Times e do Guardian (esta, a melhor do mundo no gênero noticioso) ainda são quase sempre ou sempre grátis.

Então prepare-se para um choque. A revista Economist, que bate hoje nas bancas européias, informa que os grandes diários londrinos, incluíndo os tablóides que de grande só têm a tiragem, estão passando as noites em claro por causa do esparramo da BBC na Internet.

Primeiro órgão britânico de mídia a se instalar na web, em 1998, a BBC – o vasto sistema de rádio e TV sustentado pelo equivalente a US$ 5 bilhões anuais de dinheiro público – acabou de pôr no ar o seu mais recente site (http://www.bbc.co.uk/radio3/beethoven/downloads.shtml), que permite ao usuário, como o nome indica, baixar composições do mestre, a custo zero.

O que tira o sono dos barões da mídia inglesa não é bem isso, porém. É o fato de que este site é o 525º – isso que você leu, 525 – da rede. Nem todos, é claro, são jornalísticos, em sentido estrito. Apenas os que consomem a quirera de US$ 2,25 milhões por mês e se nutrem do material colhido, editado e produzido por uma legião de 5 mil jornalistas – isso que você leu, 5 mil – espalhados por todo o globo.

Assim como as emissoras de TV e rádio, os sites da BBC não têm anúncios – cada vez mais presentes nos da mídia comercial, com as suas janelinhas, animações e outras pragas.

Por isso mesmo, tiram navegantes (e consumidores em potencial) desses outros sites. Já a “circulação” semanal dos sites jornalísticos livres de comerciais está em 7,8 milhões de visitas singulares (eu posso visitar o site mil vezes por semana, mas, para efeito desse cálculo, é como se fosse uma visita só), quase o quíntuplo da média do ano 2000.

Para se ter idéia, o estupendo site do Guardian (www.guardian.co.uk), que até a concorrência reconhece representar o estado-da-arte na matéria, recebe quase a metade dos visitantes dos sites da Beeb, como os ingleses apelidaram o sistema que lhes é tão familiar como aquela senhora aprumada, mas cheia de cacoetes, que ficou para tia.

Só que dinheiro de anunciantes, que é bom, muy pueco, diria um brasileiro em Buenos Aires. Navegante atrás de publicidade para comprar, vender e alugar visita sites de busca, não de notícias.

Duas vantagens numa só

Uma sacada da BBC, que aliás ajuda a entender os assombrosos 525 pontos.co.uk/qualquercoisa, foi criar o que a Economist chama “microsites”, o equivalente aos tradicionais cadernos especiais dos diários e das edições especiais dos semanários.

Dois exemplos aos quais até este velho adorador do jornalismo de papel tiraria o chapéu, se chapéu usasse – e com os quais não há hipótese de a mídia impressa competir.

Um foi o site dedicado à mais recente exposição anual de flores, no descolado bairro londrino de Chelsea. O site oferecia visitas guiadas virtuais a todos os estandes da competição, permitindo aos interessados se deter em qualquer das plantas de cada estande e ouvir as entrevistas filmadas com cada um dos expositores.

Outro site de ocasião, por assim dizer, foi sobre as recentes eleições parlamentares na Grã-Bretanha. Um tudo-sobre que não deixava de fora nenhum aspecto da disputa e oferecia pencas de estatísticas eleitorais fáceis de manejar.

A principal vantagem da BBC sobre a enciumada concorrência são duas – das quais difícil dizer qual a mais importante. Uma é de forma. Outra é de conteúdo.

A primeira é que os sites da BBC são mais ricos, atraentes e fáceis de usar do que os dos jornais. Porque a Internet para ela não representou uma travessia cheia de percalços do mundo dos átomos para o dos bytes: é simplesmente a continuação da TV por outros meios.

Uma coisa é transpôr imagens e infográficos do papel, onde são estáticos, para o animado reino da web onde tudo se mexe ou pode ser mexido. Outra coisa, incomparavelmente mais fácil, é partir das imagens em movimento da televisão para as da Net.

Um caso equivale a traduzir um texto do inglês para o português. O outro, a uma versão do português para o espanhol.

O segundo lado da vantagem da Beeb é o seu incomparável exército mundial de jornalistas. Na noite em que estava para sair a sentença de Michael Jackson, já madrugada em Londres, tudo que o poderoso tablóide sensacionalista tinha para cobrir o veredicto para a sua edição online eram os quatro profissionais de plantão.

Já a BBC tinha um “caderno especial”, ou seja, um microsite, sobre o caso, suas próprias imagens e “repórteres saíndo pelas orelhas”, queixou-se ao Economist o editor do Sun na web, Pete Picton. “Assim não dá para competir.”