Ai do leitor que só bate o olho nos títulos e chamadas das primeiras páginas dos jornais – quando só lê um deles.
Quem o fizer hoje no Estadão topará com o seguinte título:
‘Agora há base para o impeachment, diz oposição’.
E com a seguinte chamada:
‘Senadores do PSDB, PFL, PMDB e PDT disseram ontem que há elementos suficientes para abrir o processo de impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com base na denúncia ao Supremo Tribunal Federal pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, o presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati, disse que Lula é o responsável pela ‘quadrilha’ montada para manter o PT no poder’.
É uma desinformação.
Como o titulão em duas linhas da matéria a que a chamada se refere:
‘Oposição responsabiliza Lula por ‘quadrilha’ e fala em impeachment’.
É desinformação porque não é o que parece. E contradiz o próprio texto que encabeça, onde se pode ler, no final do primeiro parágrafo: ‘Mesmo assim, eles [os senadores da oposição] admitiram que falta clima político para processar o presidente’.
A informação correta está antetítulo da Folha:
‘Líderes da oposição atacam presidente, mas negam intenção de pedir impeachment’.
E no antetítulo do Valor:
‘PSDB e PFL dizem que há respaldo jurídico, mas inexistem condições políticas para o impeachment’.
E no título do Globo:
‘Senadores defendem `impeachment das urnas´’.
Tradução, se é que é preciso: os políticos sabem que, hoje como hoje, um movimento pelo impeachment – como o que propõe na Folha o tucano Augusto de Franco, do blog www.democracia.org.br – seria um passe para um golaço. Contra.
Tudo o que o PT precisa para tirar de cena o relatório devastador do procurador-geral, que não cita o presidente, e pôr o bloco na rua. Fazendo de Lula, se não o ‘inocente’ de que falava Roberto Jefferson quando aconselhou José Dirceu a sair correndo do governo, pelo menos vítima de um complô para impedir a sua reeleição.
Em suma, quando se lê que a oposição ‘fala em impeachment’, leia-se ‘não fala’.
P.S.
Há coisas mais importantes para ler hoje do que a cobertura do dia-a-dia da política. Mesmo diante do ‘libelo arrasador’, como o Estado se refere em editorial ao trabalho do procurador-geral, ou do ‘relatório exemplar’, nas palavras da Folha.
São os artigos ‘Retrato de um país mal-educado’, de Rolf Kuntz, no Estadão, e ‘Os párias brasileiros’, de Maria Clara R. M. do Prado, no Valor.
Os dois tratam desse desastre continuado que é o ensino brasileiro, cujo epicentro é ‘a rápida deterioração que afeta a qualidade da educação pública no país’, como escreve Maria Clara. Ou, nas palavras de Rolf Kuntz, ‘boa parte do dinheiro e do esforço empregados na educação resulta numa formação altamente insatisfatória’.
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