Não tem como prever a que velocidade. Mas é certo que vai acontecer. Tendo em vista que as mudanças climáticas foram responsáveis pela tragédia das inundações no Rio Grande do Sul, haverá uma nova abordagem dos assuntos referentes ao meio ambiente no discurso dos candidatos nas próximas eleições municipais, estaduais e federal. Potencializada pelas imagens da inédita destruição causada pelas três enchentes devastadoras que, no intervalo de nove meses, varreram o território gaúcho, incluindo a Região Metropolitana de Porto Alegre, essa mudança deverá substituir o discurso que nos últimos anos se popularizou entre os candidatos, de que existe um antagonismo entre a criação de empregos e a preservação do meio ambiente. Logo, para ganhar votos, seria necessário agir com truculência contra as leis que protegem a natureza. As três enchentes foram um alerta de que é melhor ir “devagar com o andor, porque o santo é de barro”, um dito popular muito utilizado no tempo em que as máquinas de escrever e as nuvens da fumaça dos cigarros dominavam as redações dos jornais, e que significa que é preciso agir com prudência diante de uma situação perigosa. Vamos conversar sobre essas mudanças.
Por que acredito que a mudança nos discursos dos candidatos é inevitável? Vamos aos fatos. Até o início de maio, a maior enchente registrada em Porto Alegre fora a de 1941, quando as águas do Lago Guaíba subiram 4,76 metros e invadiram a cidade. Desta vez, o Guaíba subiu 5,31 metros e alagou o Centro Histórico e vários bairros, inutilizando instalações como a Estação Rodoviária e o Aeroporto Salgado Filho. Mais de 400 dos 497 municípios gaúchos foram de alguma forma afetados, muitos quase que totalmente destruídos – há matérias detalhadas na internet. Entre a enchente de 1941 e a de 2024 passaram-se 83 anos. Neste tempo, houve uma revolução tecnológica nos meios de comunicação. A cobertura dos jornais sobre o que aconteceu em 1941 foi limitada pela tecnologia da comunicação da época. O que aconteceu em 2024 na Região Metropolitana e no resto do Rio Grande do Sul foi fartamente documentado em vídeos, textos e fotos que estão disponíveis a quem possa interessar ao simples acionar de um botão no celular. O que isso significa? As tragédias das enchentes de 2024 se incorporaram ao dia a dia dos eleitores. Dentro dessa realidade, fica difícil para um candidato negar os acontecimentos. Pode dar a sua interpretação dos fatos. Mas não pode dizer que nada aconteceu. O que é um passo importante. Lembro que por muitos anos prosperou nas redações, em especial entre os jornalistas das editorias de economia e política, a ideia de que o rigor das leis ambientais, somado à burocracia do estado, eram responsáveis pelo trancamento de projetos econômicos importantes que gerariam muitos empregos e trariam riquezas e prosperidade.
Nas últimas duas décadas, essa ideia se consolidou e encorajou o surgimento de candidatos que pregavam abertamente, de preferência de maneira truculenta, contra as leis ambientais, acreditando que isso lhes rendia votos. Muitos se elegerem. Vou citar apenas dois, por estarem envolvidos diretamente nos acontecimentos das últimas enchentes. O governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), que flexibilizou normas das leis ambientais gaúchas. Ele se defende dizendo que apenas modernizou e alinhou a legislação gaúcha às leis federais. E o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), acusado de ter sido negligente com a manutenção do sistema de proteção da cidade contra as cheias, que entrou em colapso e favoreceu a invasão das águas.
Há duas décadas a possibilidade de que esses acontecimentos influenciassem o eleitor dependia diretamente da distância entre as datas da tragédia e das eleições. Nos dias atuais, isso acabou, graças à avalanche de informações divulgada todos os dias nos meios de comunicação. Digo isso porque o prefeito Melo tem a intenção de concorrer à reeleição. E a sua estratégia para lidar com a acusação de negligência na manutenção do sistema de proteção contra as cheias do Guaíba tem sido lembrar que a cidade teve outros prefeitos que passaram batido pelo problema. É muito cedo para especular sobre o destino político de Melo porque os problemas com as enchentes no Rio Grande do Sul ainda não terminaram. E quando terminarem, as notícias sobre a tragédia gaúcha continuarão circulando pelas redes sociais. Como já disse, é justamente essa a diferença da nossa época para a enchente de 1941. Há um detalhe nessa nossa conversa no qual eu insisto. Cada corrente política vai vender ao eleitor a sua versão dos fatos. Faz parte do jogo. Mas o mais importante é que ninguém conseguirá negar o que aconteceu devido a abundância de matérias circulando na internet. Disponíveis, portanto, em todos os cantos do mundo.
Para arrematar a nossa conversa. Nos tempos dos jornais impressos, os repórteres, e eu era um deles, tinham uma péssima noite de sono quando a capa do dia seguinte traria uma matéria exclusiva de sua autoria. Porque se houvesse um erro, o que era muito comum, só seria possível corrigi-lo na edição seguinte. O que significava que a matéria e a sua correção circulariam em edições diferentes. Hoje, podemos substituir o erro pela correção imediatamente na edição do site do jornal. Lembro que jornalista cometer erros faz parte do jogo. Os casos de dolo são tratados pela Justiça. Conclusão: a tecnologia facilitou a vida do repórter, do leitor e dos personagens das histórias que contamos.
Texto publicado originalmente em “Histórias Mal Contadas”.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.