Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A vitória do partido Morena e de Claudia Sheinbaum

(Foto de Jorge Aguilar na Unsplash)

No domingo, dia 2 de junho, Claudia Sheinbaum, candidata pela aliança partidária sob o slogan “Vamos continuar a fazer história”, composta pelo Morena (Movimento de Renovação Nacional), pelo PT (Partido do Trabalho) e pelo PVEM (Partido Verde e Ecológico do México), ganhou tudo: as eleições presidenciais, as eleições legislativas, a eleição na Cidade do México, e muito além do estado de Yucatán, e eleições em vários municípios.

Os resultados provisórios logo em seguida foram apurados e validados na quarta-feira, 5 de junho. Sujeita à validação do INE – Instituto Nacional de Eleições, Claudia Sheinbaum ganhou com mais de 58% dos votos expressos. Os seus rivais, Xóchtil Gálvez, candidato da coligação de partidos da oposição de direita, PAN (Partido de Ação Nacional), PRI (Partido Revolucionário Institucional) e PRD (Partido Revolucionário Democrático), e Jorge Alvarez Máynez (Movimento Cidadão) obtiveram 28,3% e 10,5% dos votos, respectivamente. O resultado condiz com a ordem de chegada prevista pelas pesquisas. No entanto, a vantagem de 30 pontos da candidata líder nas pesquisas não tinha sido prevista pelos analistas.

A vitória “histórica” de uma mulher foi sublinhada em uníssono pelos títulos dos jornais, televisões e rádios estrangeiros. É a primeira vez na história do México que o país será dirigido por uma mulher durante os seis anos de mandato. A ascensão de Claudia Sheinbaum à magistratura suprema do país é o culminar de uma longa caminhada. As mulheres mexicanas só obtiveram o direito de voto em eleições municipais em 1946.  Esse direito só foi estendido a todas as eleições em 1953. A partir desse momento, uma mulher, Aurora Jiménez de Palacios, entrou pela primeira vez no Congresso dos Deputados com as cores do PRI – nesse momento um partido praticamente único. Somente em 1964 o Senado recebeu as suas duas primeiras representantes femininas, Maria Lavalle Urbina e Alicia Arellano, ambas também filiadas ao PRI. Em 1976, Rosa Luz Alegría tornou-se a primeira mulher a fazer parte de um gabinete presidencial, como Secretária de Estado do Turismo. Era também membro do PRI. O Código Eleitoral de 1993 (Cofipe), na última etapa do longo período de governo do PRI, recomendava a paridade entre os candidatos. Esta só se tornou obrigatória em 2014. Essa paridade foi estendida aos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – pela reforma constitucional de 2019.

Claudia Sheinbaum Prado dedicou a sua vitória às mulheres mexicanas. “Não cheguei sozinha”, disse aos seus apoiadores, que se reuniram às dezenas de milhares na praça principal da Cidade do México, o Zócalo, “Chegamos juntas”. “Esta é a primeira vez em 200 anos que a República será presidida por uma mulher”. “As mulheres”, anunciou em 5 de março, comemorando um pouco mais cedo o Dia da Mulher, “vão transformar o México e nunca mais nos calaremos”.  Será que a ascensão de uma mulher à presidência do México é tão “histórica” como afirmam os títulos dos jornais? Sem dúvida, é histórica no México, assim como também em muitas outras partes do mundo, como nos Estados Unidos e na França, que ainda não elegeram uma mulher presidente. Muito menos histórica na América Latina. Duas mulheres lideram, atualmente, os destinos dos seus países, a hondurenha Xiomara Castro e a peruana Dina Boluarte. Várias outras ocuparam esse alto cargo, algumas há muito tempo: María Estela Martinez de Perón, na Argentina, de 1974 a 1976; Lidia Gueiler Tejada, na Bolívia, de 1979 a 1980; Violeta Barrios de Chamorro, na Nicarágua, de 1990 a 1997; Rosalia Arteaga, no Equador, em 1997; Mireya Moscoso, no Panamá, de 1999 a 2004; Michele Bachelet, no Chile, por duas vezes, de 2006 a 2010 e de 2014 a 2018; Cristina Fernandez de Kirchner, na Argentina, também por dois mandatos, de 2007 a 2012 e de 2012 a 2015; Laura Chinchilla, na Costa Rica, de 2010 a 2014; Dilma Rousseff, no Brasil, de 2011 a 2014 e de 2015 a 2016; Jeanine Añez, na Bolívia, em 2019 e 2020.

Claudia Sheinbaum irá substituir um amigo e cúmplice político, AMLO, Andrés Manuel Lopez Obrador. Um AMLO que, com a força das medidas sociais que fez aprovar, como o aumento do salário-mínimo e a criação de uma pensão universal, termina o seu mandato de seis anos com 60% de opiniões favoráveis. Entrega, assim, uma Casa do México em bom estado de funcionamento. Por que então esse comentário de Claudia Sheinbaum sobre as mulheres que não ficarão mais caladas? Não aconteceu nada nesse domínio entre 2018, o primeiro ano de mandato de AMLO, e 2024? Uma coisa é certa: Claudia Sheinbaum deixou claro que ele, AMLO, é um homem, e ela, Claudia Sheinbaum, é uma mulher. Esta diferença inegável confere-lhe uma identidade que politicamente tem grande dificuldade em se transmitir. A vitória esmagadora de 2 de junho foi, em muitos aspectos, a vitória do recorde de AMLO, o recorde da 4T, a quarta transformação. “Posso”, declarou AMLO na sua tradicional conferência de imprensa diária na segunda-feira de manhã, “retirar-me da política, plenamente satisfeito […] quando entregar a faixa presidencial, poderei dizer, missão cumprida, ir para casa e não participar mais de nenhuma atividade pública”.  

Esta declaração é indicativa de algo histórico no México. Pela primeira vez em um século, um presidente considerado “de esquerda” vai entregar o poder a um sucessor da mesma cor política e partidária, o Morena. Claudia Sheinbaum, desde o primeiro café que partilhou com AMLO num restaurante Sanborns, antes das eleições municipais de 2000, até a sua nomeação como candidata presidencial em 2023, após um processo de “sondagem”, subiu em responsabilidade à sombra do fundador do Morena, o inventor da “4T”, a quarta transformação. É agora oficialmente a Coordenadora dos Comités de Defesa 4T. A partir de agora, terá de jogar um difícil jogo de equilíbrio: desvencilhar-se do homem que aparece como seu mentor, afirmar uma personalidade original, e ao mesmo tempo perpetuar uma política inventada por AMLO e aprovada pelo eleitorado.

De acordo com o semanário Proceso, ela é “a primeira Presidente do México sem contrapoderes”. Afirmar-se como mulher é, sem dúvida, o caminho que irá explorar, a partir desta conquista eleitoral. A provável maioria parlamentar de dois terços obtida pela sua lista “Juntos seguimos fazendo história” vai lhe permitir alterar a Constituição. Durante a sua campanha, anunciou que iria alterar a Lei Fundamental para consolidar a igualdade entre homens e mulheres e combater a violência de que são vítimas tantas mulheres no México. Assim, poderá inovar o caminho traçado, segundo ela, pelo “melhor presidente da história do México” (AMLO).

Notas

Texto publicado originalmente em francês, no dia 03 de junho de 2024, na seção ‘Actualités’ do Site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Le Mexique « continue à faire l’histoire » après la victoire du Morena et de Claudia Sheinbaum”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/120496 Tradução de Jeniffer Aparecida Pereira da Silva e Luzmara Curcino. 

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Jean-Jacques Kourliandsky é Diretor do “Observatório da América Latina” junto à Fundação Jean Jaurès, na França, é especialista em análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe, e autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014). Colabora frequentemente com o “Observatório da Imprensa”, no Brasil, em parceria com o Laboratório de Estudos do Discurso (LABOR) e com o Laboratório de Estudos da Leitura (LIRE), ambos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).