O Rio Grande do Sul sofreu o maior desastre ambiental de sua história, e um dos maiores nacionais, num evento climático sem precedentes em território brasileiro. A cobertura da grande imprensa nacional foi intensa — ainda que incompleta — e veículos independentes tiveram importância de trazer à tona elementos políticos ofuscados do noticiário tradicional, como abordado na última coluna deste observatório. Quanto à cobertura internacional hegemônica, torna-se evidente o lugar secundário de crises climáticas quando ocorridas em países do sul global.
Não é como se o desastre tivesse sido pelas principais mídias ocidentais, mas a ocorrência de um evento de tal magnitude num país do norte global levaria a coberturas de seus semelhantes numa ordem de grandeza próxima, por exemplo, à destruição de New Orleans pelo furacão Katrina. Não foi o que se viu no caso gaúcho: há a publicação de matérias noticiando o desastre em seus primeiros dias, mas um esvaziamento do tema ao longo das semanas seguintes de maio e da intensificação do evento.
Começamos por uma pequena matéria da CNN, que comenta brevemente a influência do aquecimento global, logo antes de, surpreendentemente, citar apenas uma ajuda de Elon Musk frente à tragédia. A rede de notícias britânica BBC também publicou uma matéria bastante factual sobre o evento, ainda no início da tragédia, que também cita as mudanças climáticas. Já o New York Times publicou três matérias sobre o evento desde o seu início. A primeira é uma matéria curta, noticiando o início dos acontecimentos. Já a segunda (Imagens de uma cidade brasileira debaixo d’água) é uma boa reportagem, longa, contando a experiência de moradores atingidos e uma entrevista com Mercedes Bustamante, importante pesquisadora brasileira com experiência no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), apresentando algumas das causas climáticas do evento e a severidade da situação. Após esta matéria, publicada ainda no início do desastre, há uma lacuna de semanas sem noticiar o caso: o vácuo de notícias é interrompido por uma matéria que trata dos milhares de animais domésticos sem lar — e, desde então, mais nada se noticiou sobre o assunto. Dentre os principais veículos hegemônicos, quem fez uma matéria em tom de “balanço geral” do desastre, ainda que pequena e incompleta, foi a revista The Economist, enfatizando como as mudanças climáticas estão deixando eventos extremos mais frequentes na região gaúcha. Nos outros veículos tradicionais ocidentais, pouco se noticiou para além dos padrões verificados nas matérias citadas, com a quase totalidade das notícias ainda no início do desastre.
A análise da repercussão internacional ocidental de um evento gravíssimo como o ocorrido mostra um holofote para um país do sul global menor do que o esperado, ainda que as mudanças climáticas sejam, supostamente, pauta importante destes jornais. O ofuscamento de desastres nos países em desenvolvimento acaba por espelhar, ainda, a ausente ajuda dos países desenvolvidos aos efeitos da crise climática — o presidente Lula já havia cobrado as nações ricas neste sentido, em 2023, após enchentes na mesma região do Rio Grande do Sul. Concluímos que as injustiças climáticas são materiais e simbólicas: promovem perdas materiais e humanas proporcionalmente maiores para as populações mais vulneráveis, percorrendo os territórios em escala intraurbana, doméstica e internacional; mas tais desigualdades também atravessam os mecanismos simbólicos, nas redes de comunicação internacional, evidenciando territórios “mais importantes” do que outros.
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Michel Misse Filho é jornalista, doutorando em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e do Laboratório de Estudos Sociais dos Resíduos (Residualab – UERJ). E-mail: michelmisse93@gmail.com.