Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A cobertura dos incêndios no pantanal

(Imagem: Joédson Alves/Agência Brasil)

O desprezo pela natureza é tamanho que não seria exagero afirmar que existe uma temporada de incêndios estabelecida no pantanal brasileiro, Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera, títulos concedidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Daqui para frente vamos assistir novamente, até o fim da estiagem, reportagens nos canais de televisão e ler nos sites e jornais mais um flagelo do agonizante bioma, um dos ecossistemas apontados, até poucos anos atrás, com um dos mais ricos do planeta.

O pantanal mudou de editoria. Deixou as páginas do ecoturismo para virar manchete no equivalente às páginas policiais do meio ambiente.

Pautar o que está acontecendo no bioma é levar ao grande público um problema que se repete a cada ano, em proporções agora imprevisíveis e inéditas de abrangência e calamidade.

O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), por meio do Núcleo de Geotecnologias (NUGEO), identificou sete pontos de ignição que geraram aproximadamente 12.387,24 hectares de incêndios florestais ocorridos entre os dias 10 de maio e 10 de junho de 2024 na região do pantanal de Mato Grosso do Sul, período no qual o Estado decretou emergência ambiental.

As áreas afetadas, de acordo com o MPMS, continuam a sofrer com a propagação dos incêndios, uma vez que o fogo ainda não foi completamente controlado.

“Os dados apresentados mostram que o Pantanal está sob uma forte pressão por conta da estiagem que estamos enfrentando. Há esforços do governo federal e dos governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para tentar dar conta dessa emergência que estamos vivendo no bioma. A situação é preocupante e de extrema atenção. O fogo chegou antes do esperado, que era a partir de julho-agosto. “Se a estiagem não for a histórica, os incêndios estão gerando toda a preocupação e alerta”, afirma o presidente do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), Angelo Rabelo.

O IHP, com sede em Corumbá, Mato Grosso do Sul, está atuando diretamente no enfrentamento de incêndios na região do Alto Pantanal, onde está o Paraguai-mirim e houve grande registro de incêndio nos últimos dias. Os brigadistas fizeram linhas de defesa para tentar reduzir a intensidade do fogo em diferentes áreas. Entre elas, uma em está a escola rural Jatobazinho, onde estudam 54 crianças.

Na sexta-feira (7) houve risco do fogo atravessar o rio Paraguai e seguir em direção à escola. A Brigada Alto Pantanal, mantida pelo IHP, conseguiu controlar as chamas e evitar o avanço do incêndio. As aulas foram suspensas e a escola evacuada no mesmo dia.

Segundo a assessoria de imprensa do IHP, a Brigada Alto Pantanal segue com sua atuação de combater o fogo em áreas estratégicas e também dá suporte para os Bombeiros de Mato Grosso do Sul. Essa área do Paraguai-mirim só é acessada por barco ou aeronave. Não existem estradas até lá.

A navegação é de cerca de 2h30 rio Paraguai acima, a partir de Corumbá. Todos os brigadistas são pantaneiros e vivem em assentamentos na região de Corumbá e Ladário.

Vivemos tempos de extremos climáticos. Em maio, tivemos chuvas torrenciais no Rio Grande do Sul ao mesmo tempo em que foi feita a Declaração de Situação Crítica de Escassez Quantitativa dos Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraguai, aprovada pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

O Rio Paraguai, no pantanal, atingiu o pior valor histórico observado em algumas estações de monitoramento ao longo de sua calha principal.

A se manter a estiagem no pantanal, até outubro deste ano, quando se inicia o período de chuvas, o bioma pode sofrer a maior seca histórica já registrada.

Os incêndios são iminentes. A estiagem, a baixa umidade do ar e a vegetação seca aumentam o potencial de fogo na região, com prejuízos incalculáveis para a fauna, a flora e o homem pantaneiro.

Em 2023 o pantanal registrou um aumento de 59,2% no desmatamento em relação a 2022. A quase totalidade (99%) aconteceu dentro das áreas privadas na cidade de Corumbá (MS). 

Nos últimos 30 anos o pantanal perdeu 60% da cobertura de água. De acordo com o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD), as  terras do pantanal têm sido convertidas em pasto plantado.

O pantanal é a maior planície alagada do mundo. O bioma vive há milhares de anos da alternância natural entre períodos de seca e chuva. Há anos não ocorrem cheias.

Que os veículos de comunicação enviados para cobrir a tragédia que se avizinha não mostrem tão somente as imagens aéreas de sempre, do pantanal em chamas, animais calcinados e áreas devastadas. 

É preciso ir além do óbvio. Mostrar como era o bioma há 20 anos e o que ele se transformou hoje. 

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Paulo Renato Coelho Netto é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O GLOBO, CLAUDIA/Abril, Observatório da Imprensa e VICE Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”.