A Suíça gastou 15 milhões para organizar um encontro de paz entre a Rússia e a Ucrânia, falho desde sua organização, por não ter a presença de Vladimir Putin. O presidente Lula descartou sua participação diante da ausência da Rússia, mas perdeu uma chance única de ser o principal participante, diante da ausência do presidente norte-americano Joe Biden e do chinês Xi Jinping.
Perdeu também a chance de passar dois dias num lugar paradisíaco suíço, no alto da montanha do Burgenstock com vista para o lago dos Quatro Cantões, hospedado num hotel de muitas estrelas, financiado pelo Qatar, sem gastar um real.
Mais do que isso, valorizaria seus recentes discursos pela paz contra os massacres em Gaza por Israel, de onde tirou o embaixador brasileiro como forma de protesto. Talvez Celso Amorim tenha esquecido de lhe dizer que a invasão da Ucrânia pela Rússia já causou mais de 250 mil mortes, cinco vezes mais que em Gaza, a maioria jovens soldados, porém esse número também inclui mulheres e crianças.
De nada adiantou a insistência da presidente suíça Viola Amherd, que viajou de Berna a Genebra, na tentativa de convencer Lula. Para ela, a presença brasileira daria mais corpo ao encontro de Burgenstock, dada sua presidência do G20 e sua participação ativa no BRICS e no novo conceito internacional do Sul Global.
Porém, Lula preferiu ouvir Putin, com o qual tivera uma conversa por telefone, e assim ganhar mais na liderança junto aos países do Oriente Médio e africanos, contra a hegemonia das relações Estados Unidos e Europa. Isso se insere na nova concepção política e sociológica do pós-colonialismo que, em termos práticos, visa o fim da dolarização no comércio internacional.
Ao contrário de Lula, o presidente colombiano Gustavo Petro, de esquerda, foi ao encontro de Burgenstock, mas saiu sem assinar o documento final, afirmando que “as conclusões do encontro tinham sido pré-determinadas por blocos de países pela guerra”. Não ficou claro se Petro se referia à Otan ou se incluía a Rússia, detonadora da guerra.
A Índia também não assinou o documento final do encontro de Burgenstock. Jornais indianos interpretaram como dependência indiana face à Rússia, em matéria de armamentos e da importação do petróleo a preço reduzido.
Os jornais suíços foram bastante críticos quanto aos resultados obtidos, como mostra o jornal Blick: “num hotel de luxo do Burgenstock, as pessoas acreditaram na feérica ideia de que uma solução diplomática poderia ser encontrada… uma perigosa ilusão”.
O jornal suíço Le Temps publicou uma entrevista com a embaixadora do Brasil na capital suíça, Berna. Cláudia Buzzi esteve no encontro apenas como observadora e isso mostra como Lula categorizou Burgenstock. Para ela, “o encontro confirmou ser um tanto unilateral”. Segundo Cláudia Buzzi, “o presidente Lula explicou à presidenta suíça e ela bem entendeu que era importante para o Brasil a presença das duas partes no encontro, sem isso falar de paz não tinha sentido”.
Notas
https://www.swissinfo.ch/por/perspectiva-suica/lula-d%C3%A1-bolo-%C3%A0-confer%C3%AAncia-de-paz-na-su%C3%AD%C3%A7a/80677181
https://www.letemps.ch/suisse/sommet-du-burgenstock-cela-confirme-plus-ou-moins-l-idee-que-c-etait-un-peu-unilateral-estime-l-ambassadrice-du-bresil
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.