Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As dívidas eleitorais da mídia

A imprensa passou no teste do segundo turno. O leitor interessado encontrou nos jornais da segunda-feira, ao lado dos números apurados e da cobertura do fecho da disputa em 30 dos 79 maiores municípios do país, algumas boas tentativas de ir além da superfície dos fatos.


Jogou-se uma primeira luz sobre o que pode mudar na política brasileira daqui para a frente, enxergando a sucessão presidencial de 2010 do ângulo dos resultados do ciclo concluído na véspera.


Com a ressalva de que tudo dependerá de um fator imponderável – a intensidade e a duração dos efeitos da crise mundial sobre a economia brasileira. Justiça se lhes faça, os melhores comentários tiveram o cuidado de incluir esse ponto de interrogação.


No entanto, a imprensa saiu da eleição com duas dívidas. Em relação a São Paulo, falta explicar o tamanho da vitória de Kassab, ou, talvez seja melhor dizer, da derrota de Marta. Em relação a Belo Horizonte, falta explicar o resultado propriamente dito, levando em conta as idas e vindas do eleitor ao longo da campanha, registradas nas pesquisas.


O caso de São Paulo é problema dos grandes. Em 2000, Marta se elegeu (contra Maluf) com 58,5% dos votos válidos. Em 2004, perdeu a reeleição (para Serra), ficando com 45,1%. Agora, as urnas lhe deram 39,3% – quase tão pouco quanto os 37,7% de Luiza Erundina em 1996 (na derrota para Pitta).


E isso com o apoio do presidente Lula.


A aprovação à gestão Kassab e o “efeito Serra” – o tucano patrocinou a candidatura do seu então vice na prefeitura, mesmo quando a sua gente foi de Alckmin – não fariam, por si sós, todo esse estrago.


A cidade está dividida em 57 zonas eleitorais. Kassab ganhou em 41, Marta em 16. Só que, onde ganhou, o prefeito teve em média 69,2% dos votos válidos. E a ex-prefeita, na média dos seus melhores resultados, ficou com 59,4%.


Esses quase 10 pontos significam que o demista conquistou proporcionalmente mais eleitores nos redutos de Marta do que ela nos dele.


O que as pesquisas vinham antecipando.


Isso não aconteceu com a mesma nitidez quando os contendores eram Serra e Marta. Piorou, portanto. Mas piorou por quê?


É sabido que, nas pesquisas, Marta só perdia para Maluf em matéria de rejeição. Mas é bom não esquecer que, apesar disso, Marta começou a campanha como favorita. Chegou a passar a barreira dos 40% (dos votos totais) em algumas das sondagens.


Depois, quando a “onda Kassab” o levou à dianteira por um pontinho de vantagem no primeiro turno, a idéia de que ele bem poderia se reeleger começou a ganhar corpo. Mas, àquela altura, não houve quem aparecesse na mídia sugerindo que no Dia D ele receberia 1,3 milhão de votos a mais do que Marta. Para comparar, a diferença final entre Serra e ela foi de 590 mil votos.


Eis uma história que precisa ser mais bem contada.


Em relação a Belo Horizonte, foram para lá de esquemáticas as explicações para o sobe-e-desce dos candidatos nas pesquisas.


A eleição ali era já a mais interessante do país por causa da inusitada aliança, numa capital, entre o prefeito petista Fernando Pimentel e o governador tucano Aécio Neves em torno da candidatura do virtualmente desconhecido secretário de Planejamento de Aécio, Márcio Lacerda, do PSB. Uma aliança repudiada pela executiva nacional do PT e aprovada pelo presidente Lula (que só criticou a forma como foi construída).


A volatilidade do eleitorado belo-horizontino foi única também entre todas as cidades cobertas pelos institutos de pesquisa. Antes do horário gratuito, Lacerda aparecia atrás da candidata do PC do B, deputada federal Jô Moraes. Iniciada a programação eleitoral, ele disparou nas sondagens, levando a crer que, nos ombros da dupla Aécio-Pimentel, liquidaria a fatura no primeiro turno.


As pesquisas, enquanto isso, registravam a ascensão gradual mas firme do pemedebista Leonardo Quintão – que não só acabaria levando a disputa para o tira-teima, mas praticamente empatou com Lacerda (vencedor em 5 de outubro por 2 pontos e pico de diferença).


O resto foi um passeio de montanha-russa. Nas primeiras pesquisas para o segundo turno, Quintão chegou a ficar nove pontos à frente de Lacerda. Este o ultrapassou, livrando cinco pontos de vantagem, no meio da jornada. Na pesquisa derradeira do Datafolha, acumulara 18 pontos.


No fim, Lacerda se elegeu com 59% dos votos válidos contra 41% de Quintão, exatamente como bancara o Datafolha. A propósito, o último levantamento do Ibope dava empate técnico (52% para Lacerda e 48% para Quintão).


A imprensa se limitou a acompanhar pela rama essas variações literalmente extraordinárias.


Também nesse caso, o leitor tinha direito a mais do que recebeu.