Só há livre informação, diversidade política, econômica e cultural onde a mídia é descentralizada. Quando um grupo econômico tem o poder da mídia, usa essa força para dominar mercados e limitar a concorrência, o que aumenta seus lucros.
Os quase-monopólios e cartéis gastam fortunas na grande mídia, não para aumentar as suas vendas, mas para a calar. Quem divulga que o maior índice de reclamações de consumidores em Espanha é contra os bancos e a Telefónica? Como foi eleito Silvio Berlusconi na Itália? O que está a ocorrer com a Radiotelevisione Italiana (RAI)? Por que aumenta a obesidade? Por que ingerimos conservantes e corantes perigosos? Por que agências reguladoras nada controlam? Por que a mídia não divulga os males provocados por certos refrigerantes ou processos ganhos pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) contra os cartéis?
Sem plena livre concorrência não há democracia econômica. Sem ela não há democracia. A concentração da mídia levou ao centralismo e corporativismo, que levou à limitação da opinião e da democracia, que levou ao nazi-fascismo. O big brother já chegou, com o controle ao terrorismo e escutas telefônicas, mas sem abrir as contas dos políticos e banqueiros de tráfico.
Trinta anos de mídia livre
Até 1974, em Portugal só havia a mídia do Estado ou por ele tolerado. Além da Rádio Televisão Portuguesa (RTP), com um canal de rádio geral e um de música clássica, havia a Rádio Renascença, ligada à Igreja; televisão, só do Estado. Uns poucos diários cobriam o Norte, sede no Porto, e Centro, sede em Lisboa. Em cada região havia dois semanários com notícias e eventos locais, sem cunho político nacional ou local.
A revolução de 25 de abril trouxe plena liberdade, politização das massas e uma grande diversidade de jornais e revistas. Bastiões como o Jornal de Notícias, do Porto, e Diário de Notícias, de Lisboa, viram suas edições duplicar. Os comunistas lêem o Avante; a esquerda o Público. O semanário Expresso tornou-se o mais respeitado órgão escrito, lido por todas as categorias, com espaço para todas as opiniões.
Com a entrada de Portugal na União Européia, em 1986, em pleno neoliberalismo tacheriano, e a troca de um governo de esquerda por outro de direita, retirou-se o subsídio ao papel de imprensa, abriram-se freqüências para rádios regionais e até uma TV nacional privada. Alguns diários viraram semanários ou revistas, as potentes rádios (o lobby garantiu não haver exigência de conteúdo nem residência local para os futuros proprietários) passaram para as mãos de uns poucos e a TV comercial (SIC), ainda sem grande capacidade de produção, transmitia à noite, afora o noticiário, todas as novelas da Globo.
O início da década de 1990 foi de crise em toda a Europa. Os políticos se distanciaram do povo e os portugueses, decepcionados com a diferença entre retórica e resultado, reduziram a compra de jornais. As rádios já não abordavam o que lhes interessava e a TV passou a ser um ópio, como no resto do mundo. A RTP abriu um canal com publicidade, mais ‘leve’ do que o tradicional TV2, que segue o modelo da BBC. Pressões econômicas abriram outra concessão de TV, a TVI.
À medida que a economia de Portugal se integrou à da Europa, aumentaram salários, custos de energia e de produção em geral. A publicidade, antes dirigida pelas empresas, que tinham a agência como criadora e distribuidora, passou para estas, que foram adquiridas por grupos multinacionais, gerindo enormes contas. Bastava uma frase numa revista não agradar ao chefe de uma multinacional para a agência mudar de mídia. A imprensa, nunca censurada, passou a sentir o peso do diretor comercial nas editorias.
Concentração do poder
Em Portugal, vinte famílias detêm 15 bilhões de dólares de patrimônio, quase tudo obtido com as privatizações iniciadas na década de 1990. Na ditadura Antonio Oliveira Salazar, que durou de 1932 a 1968, a maioria delas já existia e garantia a ele o poder em troca de privilégios – como no Reich de Hitler.
O livro Negócios com os Nazis, do historiador António Louçã, cita centenas de pesquisas e investigações não-publicadas sobre como grandes empresas apoiaram Hitler-Mussolini-Franco-Salazar e com eles lucraram. Encomendaram suas versões da história dos 1930 e 1940. É de arrepiar como a história se repete, exatamente com as mesmas empresas, as mesmas famílias, mas com métodos modernos de comunicação para que o povo pense que ele é quem influencia.
Representantes das vinte famílias se encontram a cada quinze dias para caçar nas herdades de algumas delas, com campo de pouso próprio. Raramente falam à imprensa. A revista Sábado publicou onde e quando o poder português se encontra (a publicação pertence ao grupo Paulo Fernandes, que ainda não está entre as vinte maiores).
É normal uma grande empresa de alta tecnologia dominar o seu setor, no país e mesmo continente, pois está à frente dos concorrentes. Mas quando um grupo atua em áreas diferentes – como cortiça, supermercados, imóveis e mídia –, são as ligações com o poder executivo, em geral, que criam oportunidades para as benesses. Em Portugal, como no Brasil, as empresas que geram os maiores lucros pagam menos impostos, por interpretações inusitadas do Código Tributário. Mas abusos do poder econômico, produtos e serviços ruins em cartéis e quase-monopólios, sobretudo os ex-públicos (privatizados), são matéria na imprensa, afetando a imagem das empresas dessas famílias. Assim, com os altos lucros dos cartéis, elas começaram a comprar as debilitadas empresas de mídia.
Os grupos de mídia
Poucas famílias dominam a mídia em Portugal. O engenheiro Paulo Fernandes, muito competente em processos industriais, já havia conseguido reverter o prejuízo da empresa Vista Alegre, produtora de belas louças e depois, cristais. Comprou parte de uma fábrica de celulose, onde, mais uma vez, sua competência técnica levou-a ao lucro. Comprou ainda o Correio da Manhã, diário de maior circulação, com circulação comparável ao Jornal de Notícias, na ordem de 110 mil exemplares diários. Em seguida vieram Sport e Auto-Motor, ambas revistas dirigidas.
No início de 2004, Fernandes lançou a revista Sábado, que roda 35 mil cópias, com muitas fotos, erotismo e notas sociais, que oferecia assinatura de três meses por 1 euro, desde que autorizado o débito automático em conta – o que tende a dificultar o cancelamento. Ao mesmo tempo, ofereceu gratuitamente DVDs e, mais tarde, por baixo valor, uma série de livros da História de Portugal. Sábado tenta copiar Visão. Lançou ainda, em dezembro, um microdiário distribuído gratuitamente nas estações de metrô.
A família Pinto Balsemão edita a revista Visão há décadas – algo com uma Veja popular. Edita ainda o Expresso, com 155 mil cópias semanais, domina uma dúzia de jornais regionais e a emissora de TV SIC. O Expresso é muito usado para distribuir outras publicações e também vende, a baixo preço, livros populares. O encarte Única, com excelentes fotos, diagramação, textos e colunistas, é o mais procurado pelas agências de publicidade.
O governo domina (golden share) a PT (Portugal Telecom), que tem interesses na mídia. E a Lusomundo, que comanda a RTP e o Diário de Notícias. A TVI, com forte interesse do grupo alemão Bertelsmann também depende do governo. O Grupo Impala edita as revistas Focus, com 47 mil cópias, VIP e Viagens, entre outras.
2004: volta da censura
Ao corporativismo não interessa a mídia pulverizada, pois isso permite a circulação de opiniões que não lhe agradam. O ano de 2004 começou com uma proposta para cortar a tarifa especial de correio para assinantes de jornais regionais. Quando o conhecido comentarista Marcelo Rebelo criticou o então novo governo do primeiro-ministro Santana Lopes num programa popular da TVI, foi convidado a moderar-se; ele se demitiu após perceber a mão de um ministro na recomendação.
O assunto foi debatido na Autoridade de Comunicação Social e ficou patente que o dono da TVI sofrera pressões. Pouco antes, desapareceram dezenas de gravações de entrevistas feitas por um jornalista do Correio da Manhã com implicados no escândalo de pedofilia da Casa Pia, no qual foram acusados famosos políticos, juízes, um apresentador de TV e um embaixador. As denúncias do jornalista a nada levaram.
Em novembro último, o jornalista Rodrigues dos Santos e sua equipe, responsáveis pelos informativos da RTP, demitiram-se ao serem confrontados com a nomeação de um correspondente que não estava na lista dos indicados pela equipe.
Finalmente, na sexta-feira (10/12) o jornalista José Luis Manso foi condenado a 11 meses de cadeia por se negar a revelar seu informante, num outro escândalo divulgado pela imprensa.
O ex-primeiro-ministro Cavaco Silva reclamou que os bons políticos devem expelir os ‘incompetentes’, sob pena de a democracia cair em descrédito. Pois nas eleições para o Parlamento Europeu, em junho, menos da metade dos eleitores foi às urnas. O presidente Jorge Sampaio abriu eleições para a Assembléia em fevereiro de 2005; em junho virá o plebiscito da Constituição da Europa, no fim do ano eleições municipais e, ao começar 2006, as eleições presidenciais em Portugal. Algo parecido com o caos político e corporativista dos 1930 de Hitler…
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Consultor, autor de A grande pequena empresa e Empreender turismo e ecoturismo (no prelo)